Dúvida sobre o vídeo “Para que lado a roda gira?”
21 de agosto, 2025 às 16:18 | Postado em Cinemática, Dinâmica da rotação, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/O vídeo feito pelo apresentador do Manual do Mundo sobre a roda com manivela presa ao eixo de rotação (da roda) é verdadeiro? (Para que lado a roda gira? – esse é o tema do vídeo). Como explicar usando os conceitos de física.
Sim, o vídeo é verdadeiro e mostra propriedades interessantes que, entretanto, devem ser melhor explicadas. E a explicação não pode ser dada em um simples “abanar de mãos”! A explicação depende de um aprofundamento teórico, não intuitivo, sobre o rolamento puro ou rolamento sem deslizamento: aquele que ocorre quando um corpo circular se move sobre uma superfície sem que haja escorregamento na região de contato do corpo com a superfície.
O rolamento puro é uma rotação em torno do eixo instantâneo
Quando um corpo – como um cilindro, uma esfera, uma roda, … – rola sem deslizar sobre uma superfície, ele executa dois movimentos: uma translação paralela à superfície e uma rotação em torno de seu eixo de simetria que é paralelo à superfície. No rolamento sem deslizamento a região de contato do corpo com a superfície de rolamento tem velocidade nula.
A Fig 1 representa a velocidade em alguns pontos do corpo devida à rotação em torno do seu eixo de simetria O (vetores velocidade em vermelho) e devida à translação (vetores velocidade em verde). Encontra-se também na Fig.1 o diagrama com a superposição das velocidades nos pontos considerados do corpo.

Para que efetivamente ocorra o rolamento sem deslizamento os vetores velocidade representados em vermelho e verde devem ter a mesma intensidade já que a velocidade resultante na região de contato do corpo com a superfície de rolamento é nula.
A Fig. 2 representa em cada um dos pontos considerados do corpo a velocidade resultante em laranja.

É fácil demonstrar que a orientação da velocidade de cada ponto da roda no sistema de referência da superfície de rolamento (velocidades representadas em laranja na Fig. 2) são ortogonais aos vetores posição de cada ponto em relação ao eixo que passa pela região de contato com a superfície de rolamento (estes também estão representados na Fig. 2 em laranja). As intensidades dessas velocidades são diretamente proporcionais às distâncias ao eixo que passa pela região de contato. Portanto, em face dessas propriedades decorre um resultado não-intuitivo, qual seja: o rolamento sem deslizamento é também uma rotação em torno do eixo contido na região de contato do corpo com a superfície sobre a qual ele rola. Este eixo é denominado de eixo instantâneo de rotação pois ele se desloca junto com o corpo que rola sem deslizar.
Prevendo o sentido do rolamento
Se quisermos prever em que sentido uma roda inicialmente em repouso (como demonstrado no vídeo do Manual do Mundo ou em Paradoxo da roda de bicicleta) teremos que conhecer as forças e os torques aplicados a ela.
Nos casos apresentados nos vídeos há uma força notória exercida na manivela acoplada à roda. E esta força, que é exercida por intermédio de um fio ou corda, tem em todas as três situações consideradas a mesma orientação: aponta para a direita.
Entretanto esta não é a única força exercida na roda pois há, além do peso do corpo, duas forças exercidas pela superfície sobre a qual o corpo rola: a força normal e a força de atrito estático. Portanto quatro forças estão envolvidas na explicação dinâmica do rolamento da roda.
A única afirmação a priori sobre a força de atrito é que ela está aplicada no eixo instantâneo de rotação, tendo orientação e intensidade que garantem o rolamento puro. Nada mais se pode afirmar a priori sobre a força de atrito!
Também está aplicada no eixo instantâneo de rotação a força normal à superfície de rolamento. O peso da roda é exercido em direção ao eixo instantâneo de rotação. Portanto, em relação ao eixo instantâneo de rotação, apenas a força exercida pelo fio sobre a manivela é a que produz um torque não nulo. E este torque decidirá o sentido da aceleração da roda ou o sentido em que a roda inicialmente em repouso se movimentará!
Portanto se queremos prever o sentido do rolamento temos que determinar o sentido do torque da força tensora no fio em relação ao eixo instantâneo de rotação.
Na Fig.3 é uma edição de um dos quadros do interessante vídeo do Manual do Mundo, intitulado Para que lado a roda gira? Nesta figura estão representados a força tensora aplicada à manivela, o eixo instantâneo de rotação e o sentido do torque (em amarelo) dessa força em relação ao referido eixo. Como o torque tem sentido horário, prevemos que a roda rolará para a direita, no mesmo sentido da força tensora.

A Fig. 4 é constituída pela edição do quadro utilizado na Fig. 3 e por um quadro subsequente. Esses dois quadros corroboram a previsão, evidenciando que o rolamento ocorre para a direita. É possível se observar também que a manivela efetivamente se desloca para a direita em relação à mesa e que o aparente movimento da manivela para a esquerda é uma ilusão de óptica quando tomamos a própria roda como referência.

Na Fig. 5 é uma edição de um dos quadros do vídeo do Manual do Mundo. Nesta figura estão representados a força tensora aplicada à manivela, o eixo instantâneo de rotação e o sentido do torque (em amarelo) dessa força em relação ao referido eixo. Como o torque tem sentido anti-horário, prevemos que a roda rolará para a esquerda, em sentido contrário ao da força tensora.

A Fig. 6 é constituída pela edição do quadro utilizado na Fig. 5 e por um quadro subsequente. Esses dois quadros corroboram a previsão, evidenciando que o rolamento ocorre para a direita.

Finalmente, se a força tensora é aplicada no eixo instantâneo de rotação, o torque será nulo. Não existindo torque, não haverá rolamento. Caso a força tensora exceda o valor máximo da força de atrito estático entre a roda e a mesa, a roda será arrastada sem rolar.
“Docendo discimus.” (Sêneca)

Boa tarde Professor Fernando Lang,
agradeço pela explicação.
Vou tentar fazer isso em aula.
Obrigado!
Silvio Prado