Deus estava lá?
28 de março, 2015 às 9:04 | Postado em Cosmologia, Filosofia da Ciência
Respondido por: Prof. Marco Aurélio Idiart - IF-UFRGSRecentemente vi um video do fisico Steve Hawking em que ele deduz que não foi necessario um criador para que nós e nosso universo existamos. Segundo ele, assim como particulas aparecem expontaneamente em nosso universo, o proprio big bang teria surgido de mesma forma originando o proprio espaço e tempo sem a necessidade de um criador fosse o que fosse. Não haveria um tempo antes em que um criador existisse. Porque ele não conjecturou sobre a existencia de outros universos assim como o nosso, criados por “algum principio” coisa ou entidade ? Não sei se entendi sua teoria.
Deus não estava lá*
Marco Aurélio Pires Idiart – IF-UFRGS
Em seu livro mais recente, Stephen Hawking afirma que a ideia de criação divina não é necessária para entendermos a origem do Universo.
Não é de surpreender a curiosidade sobre a fé dos grandes cientistas. Afinal, ciência e religião estão em lados opostos da cultura e frequentemente em conflito. Assim, interessa ao crente mostrar que existe fé mesmo entre cientistas brilhantes, e ao ateu, achar religiosos que a desafiam em nome da razão, como os heróis da ciência Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e Charles Darwin. Albert Einstein é um caso típico de polêmica. Em seus textos populares ele se referia a Deus e diversas vezes qualificou como quase religioso o seu deslumbramento com o Cosmos. Por isso ele figura muitas vezes em listas de cientistas religiosos. Mas suas correspondências pessoais não deixam dúvida: ele nunca levou a sério a existência de um Deus antropomórfico que impusesse moral sobre o homem, considerava isto ingênuo e infantil. Einstein era um agnóstico.
Stephen Hawking recentemente criou manchetes ao declarar que não existe um Deus, e que os conceitos de céu e vida após a morte eram apenas elementos de contos de fadas. Se há alguém que entende profundamente do Cosmos, de seu início no Big Bang e de objetos espetaculares como os buracos negros, esta pessoa é Hawking. Dentre seus diversos prêmios e distinções está ter ocupado na Universidade de Cambridge a Cátedra Lucasiana que já foi de Isaac Newton. Só isto já seria suficientemente extraordinário, mas o fato de que tudo foi obtido com sua mente brilhante aprisionada num corpo gravemente enfermo o faz uma lenda. A esclerose lateral amiotrófica o impossibilita de mexer-se ou falar. Mas não o impediu de chegar aos 72 anos, 50 anos a mais do que esperavam os médicos, trabalhando fervorosamente. Fosse ele um religioso, seria um sério candidato à beatificação.
Seu ateísmo não é surpresa. Seu primeiro best-seller Uma Breve História do Tempo (1988, Ed. Rocco) estava, de acordo com Carl Sagan, recheado com a palavra Deus, mas sendo talvez, segundo ele, mais sobre “a ausência de Deus”. De fato, apesar da referência frequente a Deus, ele não buscou compatibilizar ciência com religião. Ao contrário, esclarece que a extensão do conhecimento científico sobre o Cosmos é tal que um Deus não é necessário em nenhum ponto intermediário de sua história a não ser, talvez, na sua origem.
Porém no seu livro mais recente, O Grande Projeto (2011, Ed. Nova Fronteira), escrito com o físico Leonard Mlodinov, ele vai além e afirma que Deus é desnecessário até na origem. E conclui: o universo pode ter criado a si mesmo. O argumento tenta resolver um paradoxo que surgiu na ciência quando se descobriu que minúsculas diferenças nos parâmetros da física alterariam totalmente a história prevista para o universo após o Big Bang. Ou seja, mude um pouco a força gravitacional e o universo só teria buracos negros; mude a força nuclear forte, e a matéria nunca chegaria a condensar na forma de átomos. Portanto, nosso universo escapou por um triz de ser inviável à vida!
Por outro lado, a herança de Galileu, Giordano Bruno e Copérnico fez com que a visão científica do Cosmos fosse norteada pelo chamado Princípio da Mediocridade, pelo qual somos apenas um planeta de muitos, num sistema solar como qualquer outro, numa galáxia entre bilhões de outras. De fato, quanto melhor olhamos o universo ao nosso redor mais correto isto parece ser (até 1988, não se conheciam outros sistemas planetários como o Sistema Solar, mas hoje, com melhores telescópios, sabemos de mais de 1.800 exoplanetas em pelo menos 1.100 sistemas). Como então conciliar o princípio de que não somos especiais com a ideia que o universo tem suas leis finamente ajustadas para abrigar a vida?
Hawking e Mlodinov respondem usando a extraordinariamente complexa Teoria M, desenvolvida para resolver o principal problema da Física da atualidade, que é a unificação da Teoria Quântica, que trata do mundo microscópico das partículas fundamentais, com a Teoria da Gravitação, que descreve como é o universo nas escalas gigantes das galáxias. A Teoria M propõe que as unidades fundamentais do universo sejam semelhantes a membranas que vibrariam num espaço de 11 dimensões. Uma interessante predição desta teoria é a possibilidade de haver múltiplos universos. Ou seja, podemos de fato viver num multiverso composto por uma infinidade de universos, isolados uns dos outros.
Existindo o multiverso, não é espantoso que pelo menos um de seus universos possa ter as leis corretas para a vida. Para Hawking e Mlodinov, isto reforça a ideia de que não houve um ajuste intencional do universo e logo não há a necessidade de um Deus.
Pode ser que alguns leitores se espantem, e perguntem: não são justamente as teorias mais sofisticadas da Física, como suas múltiplas dimensões e universos, que cada vez mais apontam para a existência de Deus? A resposta é: não. E este é um aspecto da batalha entre ciência e misticismo que talvez devesse ser comentado. Na medida que as teorias científicas se complexificam, aumentando o seu poder explicativo, elas se distanciam do senso comum. Com isto, maior é a probabilidade de serem incorretamente reinterpretadas à luz de alguma crença mística. E a nomenclatura técnica, muitas vezes brincalhona, não ajuda muito. O apelido “Partícula de Deus” para o Bóson de Higgs, uma piada no meio científico, tem interpretações profundíssimas em certos círculos. Assim, o resultado é uma proliferação de doutrinas pseudocientíficas que simplesmente dão novas roupagens a velhos mitos, causando uma grande confusão para quem pouco conhece de ciência. Mas a visão prevalente na ciência é muito parecida com a de Hawking, mesmo que muitos cientistas sejam céticos quanto a detalhes da Teoria M: quanto mais conhecemos do Cosmos, menos necessidade temos de impor uma explicação divina a ele.
* – Publicado em Zero Hora em 05/10/2014
Outras questões do CREF relacionada ao tema:
O Que Existia Antes Do Big Bang?
Universo, Big Bang e diversidade de partículas
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Texto totalmente fora do contexto da filosofia da ciência..a teoria M nada explica,pois, mesmo havendo inúmeros universos, qual o primeiro Universo surgido para criar os demais e como surgiu sem Deus ?