X

Dar nome a uma coisa ou processo não significa explicá-lo!

MEU COPO DE VIDRO EXPLODIU!? Coloquei um copo com álcool e botei fogo, esperei ate acabar o álcool , o copo estava quente muito quente, fui colocar agua nele E ELE EXPLODIU, alguém pode me explicar que aconteceu?

Pergunta originalmente feita em http://br.answers.yahoo.com/

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Ao resfriar o vidro ele sofre uma contração, ou seja, pedaços do vidro reduzem de volume. Ao colocares água no copo, apenas a parte do vidro em contato com água foi resfriada pois o vidro é péssimo condutor de calor. Assim sendo o restante do copo ainda estava a uma temperatura mais alta do que a parte dele em contato com água.

A parte do vidro resfriada pela água se contraiu, mas o restante do vidro não se contraiu e então surgiram grandes tensões internas ao vidro, produzindo o rompimento e estilhaçamento do vidro.

Nota que a razão do estilhaçamento do vidro foi a existência de temperaturas DIFERENTES em pontos diferentes do copo. O referido “choque térmico”, que de fato pouco explica, se constitui neste resfriamento não homogêneo do vidro. Se ele pudesse ter sido resfriado rapidamente mas homogeneamente, não quebraria. O copo possivelmente não quebraria se o tivesses deixado resfriar lentamente em contato apenas com o ar.

Este efeito tem relação com diversas postagens;

O que acontece se não deixarmos um objeto dilatar?  

Como fazer com que uma garrafa de vidro não exploda ao receber o calor do fogo? 

Trilhos sem juntas de dilatação?

Força de dilatação térmica

 

“Docendo discimus.” (Sêneca)

_________________________________________

DISCUSSÃO QUE SE SEGUIU À POSTAGEM DA RESPOSTA NO FACEBOOK 

DAR NOME A UMA COISA OU PROCESSO NÃO SIGNIFICA EXPLICÁ-LO!
ENTRETANTO TAIS PSEUDOEXPLICAÇÕES SÃO EXTREMAMENTE COMUNS E FREQUENTEMENTE ENCOBREM A INCAPACIDADE DE REALMENTE JUSTIFICAR O PROCESSO. CREIO TAMBÉM QUE ESSES SIMULACROS DE EXPLICAÇÃO DECORREM DE UM ENSINO MERAMENTE INFORMATIVO, DEFICIENTE EM CONTEÚDO E ARGUMENTAÇÃO. VEJAM UM EXEMPLO:
O COPO DE VIDRO MUITO AQUECIDO SE ESTILHAÇA QUANDO RESFRIADO BRUSCAMENTE. TAL É ATRIBUÍDO AO “CHOQUE TÉRMICO”. MAS AFINAL O QUE É ESTE TAL “CHOQUE TÉRMICO”? 

Felipe Carvalho – O maior problema e que algumas pessoas esperam por tal tipo de explicação. Nesses casos, quando vou explicar os detalhes, perdem o interesse e so pedem pelo nome de algum fenomeno.

Fernando Lang da Silveira – A atitude que relatas pode ser “preguiça mental” mas também envolve uma questão educacional pois muito do ensino ocorre assim. Pior ainda é crer que dar nome significa tornar a coisa real; isto tem até um nome , qual seja “reificação“. http://pt.wiktionary.org/wiki/reifica%C3%A7%C3%A3o

Fernando Lang da Silveira – A “reificação” constitui a base das crenças não fundadas em evidências, tais como a crença em fadas, bruxas, orixás, deuses, moto perpétuos, mítica Terra Plana

Felipe Carvalho – Professor, na sua opinião, ate onde a reificaçao esta presente na fisica?

Fernando Lang da Silveira – Bah, esta tua pergunta “dá pano para manga”! 😉

Fernando Lang da Silveira – Certamente muitos conceitos que comparecem em teorias físicas são apenas instrumentos úteis e não possuem referentes físicos imediatos.

Felipe Carvalho – Eu sei, desculpe por polemizar. Mas um dia gostaria de discutir isso contigo!

Fernando Lang da Silveira – Podemos discutir por aqui pois assim “socializamos” a discussão!

Fernando Lang da Silveira – O Positivismo de Mach levou ao extremo a anti reificação pois até a “matéria”, tão prezada pelo materialistas, se constituía para ele numa reificação.

Fernando Lang da Silveira – Explicando melhor, Felipe Carvalho, para Mach “maçã” designava nada mais nada menos que um “feixe de sensações”, isto é: que é arredondada, é vermelha, tem uma determinada textura, cheiro e sabor. Mas “maçã” NÃO designava, como os REALISTAS creem, uma entidade além do “feixe de sensações”.

Fernando Lang da Silveira – E observa que Mach foi um IMPORTANTE físico, que deu inúmeras contribuições à Física. Ele foi, além de físico, psicólogo, filósofo. Foi o detentor da primeira cátedra de Filosofia da Ciência em uma universidade, no caso a Universidade de Viena. A cátedra se chamou Filosofia das Ciências Indutivas.

Fernando Lang da Silveira – Einstein considerou Mach como “avô da Teoria da Relatividade”. Entretanto Mach renegou o “neto”, possivelmente também porque o seu “pai” era um REALISTA.

Fernando Lang da Silveira – Mach, juntamente com Oswald (químico) e muitos outros importantes cientistas, moveu uma intensa oposição à Teoria Atômica da Matéria no final do século XIX e início do século XX. A propósito disso vejam “O átomo existe de fato?” emhttp://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=95

Fernando Lang da Silveira – As “provas definitivas” da existência de partículas microscópicas, postuladas já na antiga Grécia pelos filósofos Atomistas – Materialistas, remonta a um pouco menos de 110 anos! Portanto temos um século apenas de atomismo corroborado! Alguém por aqui no FB sabe sobre as “provas”?

Madge Bianchi Dos Santos – Também percebo muito esse tipo de reação à qual o Felipe Carvalho se referiu. Encontro muitas pessoas que me fazem perguntas sobre Física mas não conseguem ouvir a explicação completa com atenção, geralmente ouvem apenas uma frase e já se “desligam”.

Fernando Lang da Silveira – As pessoas não estão acostumadas a ouvir com atenção e acreditam que explicar é dar nome às coisas. Acompanhar um raciocínio envolve também hábito, treino e este não faz parte da vida de muitas pessoas.Vivemos num mundo de muita informação e pouca reflexão e argumentação.

Glauco Cohen – Um dia desses tava discutindo isso com meus alunos de estágio, professor. Ás vezes procuramos palavras-chave nas respostas dos alunos. Alguns nem sabem o que estão falando, pois desconhecem dois aspectos, fundamentalmente, o objeto ou evento da realidade ao qual se referem e o significado do conceito que evocam para a explicação. Muito interessante isso! Explicar não é dar nomes a bois!

Madge Bianchi Dos Santos – “Ensino deficiente em conteúdo e argumentação”, concordo professor Lang

Felipe Carvalho – Professor, creio não ter entendido o verdadeiro questionamento no final do seu penúltimo comentário.
Se eu conheço sobre as “provas” no sentido epistemológico, então sei que elas não existem. Nunca seremos capazes de determinar com certeza se um conhecimento é “verdadeiro”, no sentido absoluto da palavra. Na verdade, a “verdade absoluta” não existe sob qualquer perspectiva humana.
Por outro lado, se eu conheço “as provas” no sentido de comprovações do atomismo, até onde eu sei, o que estabeleceu o atomismo como consenso na comunidade científica foi o segundo artigo de Einstein de 1905, onde ele discorre sobre o Movimento Browniano, explicando-o através do movimento de moléculas.
Seguindo o hábito do professor Lang, segue o link para uma definição da palavra consenso, para que não fique a ideia de que consenso significa concordância total.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso

Fernando Lang da Silveira – Certo Felipe Carvalho! A razão pela qual coloquei “provas” entre aspas é que as provas são provisórias e podem ser reinterpretadas em teorias diversas, às vezes para “provar” uma concepção muito diferente da original. Entretanto há “provas” no sentido psicológico: argumentos que convencem os mais renitentes adversários de uma concepção de que ela está correta (provisoriamente).

Fernando Lang da Silveira – Um dos três importantes trabalhos de Einstein em 1905 – recordando quais são eles: sobre o efeito fotoelétrico (que o levou ao prêmio Nobel em 1921); sobre a eletrodinâmica do corpos em movimento (depois conhecido como o trabalho sobre a Relatividade Restrita); sobre o movimento browniano -, sobre o movimento browniano se constituiu em uma “tremenda prova” sobre a existência dos átomos e moléculas, convencendo alguns dos importantes opositores do Atomismo. Mas houve outras “provas” sobre a existência das tais partículas microscópicas como, por exemplo, a cintilação de uma tela de material fluorescente nas proximidades de uma fonte radioativa.

Fernando Lang da Silveira – O trabalho de Einstein de 1905 serviu para que em 1909 o físico Jean Perrin fizesse a primeira determinação precisa do Número de Avogadro a partir de medidas sobre o movimento browniano de partículas coloidais.

Fernando Lang da Silveira – As “provas” do Atomismo, segundo a Metodologia dos Programas de Pesquisa de Imre Lakatos, se contituíram em previsões teóricas do Programa Atômico, corroboradas observacionalmente/experimentalmente, que não puderam ser interpretadas dentro do programa rival, o Programa Energeticista (os positivistas opositores do atomismo se intulavam “energeticistas”).http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7047

Fernando Lang da Silveira – Ou seja, as “provas” são aqueles evidências que levaram, em um particular momento histórico, um “programa de pesquisa” a superar o(s) programa(s) rival(is).

Fernando Lang da Silveira – Glauco Cohen: O teu comentário seguinte achei extremamente relevante por mais de uma razão.

“Às vezes procuramos palavras-chave nas respostas dos alunos. Alguns nem sabem o que estão falando, pois desconhecem dois aspectos, fundamentalmente, o objeto ou evento da realidade ao qual se referem e o significado do conceito que evocam para a explicação. Muito interessante isso! Explicar não é dar nomes a bois!”

Uma das razões se relaciona às chamadas “metodologias de pesquisa qualitativa” que se centram em palavras chave em textos produzidos pelos sujeitos alvo da pesquisa. Apenas as palavras isoladas não mostram que um sujeito sequer conheça o assunto sobre o qual discorre. Aliás, os textos dos pós-modernos utilizados em “Imposturas intelectuais” do Sokal e Bricmont exemplificam bem que alguns daqueles filósofos pós-modernos NÃO SABEM sobre o que falam. Vide Os farsantes pós modernistas!

Outra razão diz respeito às palavras e argumentos utilizados reiteradamente, em círculo vicioso, ad nauseaum, por pastores e padres na tentativa, frequentemente bem sucedida, de “lavagem cerebral” do seu rebanho, de fuga da realidade e alienação religiosa. A reificação também grassa solta por ali: deus, anjo, santo, diabo, … .

Em 24/12/2015 O prof. Ildeu Moreira (UFRJ) postou no FB o seguinte: 

Em uma palestra dada por Richard Feynman em 1966, o físico contou uma história de seu tempo de criança sobre a diferença entre saber o nome de algo e realmente entender do assunto: “Um menino uma vez me disse: ‘Tá vendo aquele pássaro de pé naquela árvore? Qual é o nome dele?’. Eu disse, ‘Eu não tenho a menor ideia’. E ele respondeu: ‘É um Turdus ruficollis. Seu pai não te ensina muito sobre ciência!’. Eu sorri para mim mesmo, porque meu pai já tinha me ensinado que o nome não me dizia nada sobre o pássaro. Ele me disse ‘Você está vendo aquele pássaro? É um Turdus ruficollis, mas na Alemanha ele é chamado de halsenflugel, e em chinês eles chamam de chung ling e mesmo se você souber todos os nomes dele, você ainda não sabe nada sobre o pássaro. Mas ele canta, e ensina seus filhotes a voar, e voa muitos quilômetros de distância durante o verão, e ninguém sabe como ele encontra o seu caminho’, e assim por diante. Há uma diferença entre o nome da coisa e o que ela faz. O resultado disso é que eu não consigo lembrar o nome das coisas, e quando as pessoas discutem física comigo muitas vezes elas ficam exasperadas quando dizem, ‘o efeito Fitz-Cronin’ e eu pergunto: ’Que efeito é esse?’, eu não me lembro o nome”.

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 1557.


Um comentário em “Dar nome a uma coisa ou processo não significa explicá-lo!

  1. Emídio Magno de Oliveira disse:

    “O mundo era tão recente, que muitas coisas careciam de nome e para nomeá-las, era preciso apontar com o dedo”, Gabriel Garcia Marques em “100 anos de solidão”. As palavras e as coisas, as palavras são representações do que pensamos que são as coisas, talvez não saibamos bem o que são as coisas.

Acrescente um Comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *