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Como é possível uma pessoa ser lançada para cima em relação ao avião que despenca durante a perda de sustentação?

Professor, recentemente vi que um avião da Tam caiu aproximadamente 1 km enquanto estava voando. Na mesma noticia vi que várias pessoas bateram no teto. Por que isso aconteceu se a aceleraçao da gravidade é a mesma para as pessoas e para o avião? Obrigado

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Segundo o texto encontrado em  GLOBO:aviao-da-tam-despencou-1-km-durante-turbulencia-em-voo  “Passageiros voaram de seus assentos, foram atingidos pelas bagagens, bateram a cabeça no teto da aeronave e viram uma tripulação em pânico.

A tua dúvida é pertinente pois ainda que o avião estivesse em queda livre, uma análise superficial do problema indica que os passageiros não poderiam “ficar para trás” pois estariam também em queda livre e a aceleração relativa ao avião seria então nula.

Entretanto existe um fator que está sendo desconsiderado nesta análise do problema. Antes da queda os passageiros estão apoiados sobre alguma coisa, por exemplo, o assento da cadeira. E o assento da cadeira exerce uma força que contrabalança a ação da gravidade sobre eles. A força que o assento faz  sobre o passageiro é uma força de interação por contato do traseiro do passageiro com a almofada do assento. Esta força que o assento exerce é uma força elástica!

Façamos então um experimento mental imaginando um corpo apoiado sobre uma mola. A mola está deformada, pressionada pelo corpo sobre ela. Imaginemos a seguir que a gravidade pudesse ser reduzida ou até suprimida completamente. O que aconteceria então com o corpo apoiado sobre a mola?

Suprimida a gravidade, eliminada a força da gravidade no corpo, como a mola está deformada, ela arremessaria o corpo para cima  já que a força da gravidade foi reduzida ou até suprimida. Ou seja, o corpo seria lançado para cima.

Quando o avião perde a sustentação e adquire uma aceleração para baixo, no sistema de referência do próprio avião é como se a gravidade tivesse sido reduzida e então os passageiros receberão um impulso para cima em relação ao avião devido a forças para cima exercidas nos passageiros pelas estruturas do avião sobre as quais eles estão apoiados. Este efeito é tanto maior quanto mais deformado esteja o apoio que sustentava o passageiro até o início da perda de sustentação. Ou seja, o que estou dizendo é que quando o avião perde a sustentação, em relação ao próprio avião os passageiros podem ser lançados para cima, ejetados dos seus bancos graças à força de interação elástica entre eles e os bancos. O efeito será maior se um pouco antes da perda da sustentação o avião sofria uma aceleração para cima, como é usual acontecer em regiões com ar turbulento, aumentando a compressão do assento.

Em um vídeo que realizamos para demonstrar outro efeito, apareceu este efeito surpreendente e contra intuitivo. O objetivo do vídeo era o de demonstrar o “efeito estilingue” descrito em nosso artigo intitulado Colisão com efeito estilingue.

Vide o vídeo em http://www.if.ufrgs.br/lavim/colisao_estilingue/exp_colisao_estilingue.htm#

Na figura abaixo, retirada do vídeo supracitado, vemos na imagem A duas bolinhas empilhadas e sustentadas pela mão de uma colega. A seguir as bolinhas são deixadas cair e logo na imagem B elas já estão separadas, ou seja, a bolinha vermelha, enquanto em contato com a azul, sofre uma aceleração para baixo MENOR do que aquela sofrida pela vermelha graças às forças de interação por contato (forças elásticas) entre as duas bolinhas. O modelo para tal interação é imaginarmos uma mola comprimida entre as duas bolinhas. A bolinha vermelha “ficou para trás” durante a queda! Observação: este efeito não pode ser atribuído a possíveis efeitos do ar pois as velocidades do ar em relação às bolinhas são muito pequenas logo no início desta queda.

Na próxima figura vemos duas fotos de um “colar de bolinhas” (bolinhas furadas pelas quais passa um fio de sustentação solidário a bolinha inferior). A foto 1 mostra o colar em repouso e, portanto, existem forças repulsivas entre quaisquer duas bolinhas em contato. A foto 2 mostra o colar já em queda livre (pouquíssimo tempo após a sustentação do fio cessar). Conforme se observa nitidamente na foto as bolinhas já estão separadas pois, cessada a sustentação, no sistema de referência do centro de massa do conjunto o peso das bolinhas “foi desligado” e elas então podem se afastar entre si graças à força elástica repulsiva.

Então, conforme atestam as imagens e a argumentação desta postagem, é possível que em um evento de perda de sustentação de um avião os passageiros sejam arremessados para cima no sistema de referência do avião, lançados em direção ao teto da aeronave mesmo que a aeronave desça com aceleração MENOR do que a da gravidade!

NOTA: em eventos de turbulência forte ou severa (vide documento da ANAC: Turbulência) a aceleração vertical da aeronave excede a aceleração da gravidade e então, com mais razão ainda objetos soltos são lançados para cima no sistema de referência do avião. Neste caso a aeronave não se encontra em queda livre pois a queda livre acontece quando a aceleração é idêntica à aceleração da gravidade.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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