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BREVES REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TEMPO – Palestra Professor Emérito Horacio Dottori

No dia 07/07/2016 0 Prof. Horacio Dottori recebeu na UFRGS o título de Professor Emérito. O CREF se sente honrado em postar sua palestra.

Respondido por: Prof. Horacio Dottori - IF-UFRGS

Palestra_Emérito

Professor Horacio Dottori – 07/07/2016

 Sr Reitor da UFRGS, Dr. Carlos Alexandre Neto.

Sr. Vice-reitor da UFRGS, Dr Rui Vicente Oppermann.

Sr. Vice-Consul da República Argentina, Dr. Alejandro Ocampo.

Sra. Diretora do IF, Dra Márcia Barbosa.

Familiares, Colegas, ex-alunos, Alunos e Amigos  aqui presentes.

Gostaria de fazer hoje algumas

BREVES REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TEMPO

O que é o tempo? Foi escolhida, pelos editores da revista Physics World, como uma das 5 maiores perguntas não respondidas na Física.

 No dizer de Agostinho de Hippos (1): “Se ninguém me pergunta o que é o tempo, eu sei o que é, mas se desejo explicar o que é para alguém que me pergunta, eu não sei responder”.

 O meu interesse hoje é, dentro dos limites da minha modesta perspectiva, discutir  ciladas por trás da  ideia de tempo.

“olhando o céu estrelado surgem algumas dúvidas singelas, que não precisam de formação escolar para ser formuladas; inclusive você, pode ter tido como uma curiosidade de criança”.

Na cadeira de Cosmologia duas colocações predominam:

1) O Universo teve um início? Terá um fim?

2) O Universo acaba? Se acaba, o que há além?

Uma relacionada ao tempo e outra ao espaço.

Questões que nem estas, no meu entender, estão inerentemente vinculadas à consciência do ser humano, e podem ter sido um dos motores do desenvolvimento da própria civilização.

Segundo o físico Lee Smolin (2, 3): “Entender o tempo é a tarefa mais importante que enfrenta a ciência”.  Smolin (Mangabeira Unger & Smoli, “The Singular Universe and the reality of time” discute se o tempo é um conceito emergente, quer dizer, derivado de outros meta conceito, ou se o tempo mesmo é o conceito primordial.

Permitam-me dar um exemplo da ideia de primordial e emergente. Posso, por exemplo, na posição de um agnóstico, analisar o conceito de Deus:

Se um Deus existe, como apresentado em diversas religiões, ele criou o Universo.  Nada havia antes, Deus seria um conceito primordial.

Pelo contrario, se Deus não existe, ele é então uma criação da mente humana, ele seria um conceito emergente; sem o homem não existe Deus e o Universo tem uma origem e uma evolução a ser pesquisada.

Um conceito não tão polêmico quanto o de Deus, mas definidamente emergente é o de dinheiro, que hoje predomina socialmente sobre termos de troca mais primitivos.

Se o tempo é emergente, um candidato a meta conceito, é o movimento periódico como a rotação e translação da Terra, que definem o dia, oscilações de certos átomos, etc.

 Smolin (3) conclui que o tempo é um conceito primordial, mas para isto deve desconstruir a forma em que é feito o estudo do Universo, isto é, não devemos estender ao Tudo as leis válidas para suas partes. Para tanto toma como base três ideias centrais: A unicidade do Universo, a realidade do tempo e a emergência das matemáticas.

Diz Smolin (2): “Pensar o Universo na sua totalidade implica em pressionar à ciência a transpor o limite da Filosofia”.

 Embora os filósofos tenham uma inclinação quase compulsória a discutir o conceito de tempo, esta tendência é um tanto perturbadora para grande parte dos físicos. Preferimos nos basear na medida de num fenômeno periódico, mais do que num conceito claramente definido, não inquirindo sobre a sua origem nem negando a sua existência.

Com efeito, mesmo Newton, na sua obra máxima, os Principia ou “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” dedica não mais de ½ página ao conceito do Tempo (4).

Nas palavras de Newton: (abre aspas) “A duração ou perseverança da existência das coisas permanece a mesma, sejam os movimentos rápidos ou lentos, ou até completamente nulos e, portanto, essa duração, ou tempo absoluto, deve ser  distinguida daquelas que são apenas suas medidas perceptíveis, ou tempo relativo, a partir das quais aquele é deduzido através das equações astronômicas”.

 Ou seja, o tempo absoluto não pode ser medido independentemente e é, portanto, uma abstração das medidas, consequentemente no meu entender, tem um caráter metafísico.

 Como exemplo dos efeitos que pode sofrer o tempo relativo, hoje sabemos que a Terra rotava mais rápido no passado:  faz 1 bilhão de anos o ano tinha 400 dias, ou seja, a rotação da Terra está se freando a razão de 1.7 milésimos de segundo por século.

 Esta visão idealista do tempo durou até que os fenômenos elétricos e magnéticos foram unificados e equacionados por Maxwell, em 1865.

Os fenômenos eletromagnéticos são qualitativamente diferentes dos gravitacionais.  Einstein em 1905, captou a essência da diferença ao postular a imutabilidade da velocidade da luz como alternativa à noção do éter, predominante na percepção da época.

Na interpretação einsteiniana da natureza, o tempo não mais marca o passo da sinfonia universal, mas indissoluvelmente unido ao espaço são moldados pelos movimentos do cosmos e pela concentração da matéria. O relógio do viajante apressado ou do desavisado que cai num buraco negro, não marcha ao mesmo ritmo do meu. A noção de simultaneidade perde-se, cada um tem o seu tempo próprio, mas o curioso compulsivo pode saber a quantas anda o relógio do viajante, se conhece a magnitude da sua pressa. Einstein subverte o conceito de tempo e espaço absolutos, mas conserva ainda uma conexão universal em um Espaço-Tempo de 4 dimensões.

 As distorções do Espaço-Tempo na presença de matéria foram equacionadas por Einstein na Teoria da Relatividade Geral. Como constatado nos últimos 40 anos, relógios muito precisos, sincronizados, apresentam marcha distinta se um deles é embarcado num avião ou num satélite, como no caso do GPS, em total acordo às predições de Einstein. Ou seja, o tempo torna-se um conceito/ente físico e não mais metafísico, já que é passível de ser modificado, se contarmos com a tecnologia necessária. No entanto, não surge daqui univocamente a sua condição de Primordial ou Emergente.

Nesta incursão na Física do tempo, esquecemo-nos dos andares do tempo na Filosofia.

Gostaria de alertar que minhas limitações na Física, são amplamente superadas pelas que tenho em Filosofia. No entanto, se faz necessário discutir sumariamente alguns pensamentos.

 John McTaggart Ellis McTaggart, falecido em 1925, é caracterizado como o máximo expoente do idealismo britânico.

 McTaggart (5), desenvolveu seu próprio sistema metafísico e tornou-se famoso pelo seu argumento contra a tese da realidade do tempo. Em um célebre artigo intitulado A Irrealidade do Tempo, publicado na revista Mind em 1908, McTaggart argumenta que nossa percepção do tempo é uma ilusão e que o tempo ele mesmo é meramente ideal.

Ele organizou os acontecimentos em duas sequências no tempo. Na primeira um dado fato corresponde ao passado, presente ou futuro. Em contraste o mesmo fato é anterior, simultâneo ou posterior a outro acontecimento.

McTaggart argumentou que a primeira sequência é um componente necessário de qualquer teoria completa do tempo, mas conclui que a mesma é autocontraditória, se confrontada com as consequências da segunda. Logo, concluiu, não há como dizer de coisa alguma que a mesma é passado, presente ou futuro. Não há tempo, e nossa percepção do tempo é uma ilusão incoerente.

Sempre me perguntei o que Mc Taggart entendia pelo “chá das 5 horas”, também, se ele conhecia o trabalho de Einstein sobre a relatividade da simultaneidade.

Aparecem então duas vertentes diferentes da percepção do tempo: Uma, a de McTaggart, o indivíduo e a sua vivência submetidos ao crivo da lógica Aristotélica. A outra, a do Einstein, o indivíduo agindo dentro das regras do conhecimento científico, que quebra paradigmas existentes à sua época e, sem negar o tempo como ente físico, o relativiza no Espaço-Tempo.

 Segundo Borges no seu ensaio “Nova refutação do Tempo” (6), o apologista mais agudo do pensamento idealista foi George Berkeley, quem no século XVIII cogitou os argumentos para justificá-lo.

Berkeley negou que houvesse um objeto atrás das impressões dos sentidos, negando a matéria; seu discípulo David Hume, negou que houvesse um sujeito atrás da percepção das mudanças. Berkeley negara a matéria;  Hume negara a consciência.

 Os argumentos de Berkeley demonstra Borges, se aplicados ao tempo, implicam na sua não existência. (Borges, pg.73).

Negados a matéria e o ser, negado também o espaço, não vê Borges nenhum direito a pretender manter a continuidade que é o tempo. Fora de cada percepção (atual ou conjuntural) não existe a matéria; fora de cada estado mental não existe a consciência; tampouco existirá o tempo fora de cada instante presente.

Se alguém considera absurdo o idealismo ala Berkeley, poderá, após uma leitura cuidadosa, ver que a interpretação de Copenhague da Mecânica Quântica encaixa comodamente nele.

Finalmente, no campo da Física, quero comentar, fugazmente, trabalhos recentes da Física Clássica e da Mecânica Quântica sobre a emergência e a reversão temporal.

Todos percebemos, em nível individual, o passo do tempo apesar dos vãos esforços dos cirurgiões plásticos por revertê-lo.

O fato curioso é que as principais equações da Física são reversíveis no tempo, com  exceção da termodinâmica, na qual a entropia dos sistemas sempre cresce.

A questão foi claramente colocada pelo prêmio Nobel Ilya Prigogine, no seu livro “O Fim das Certezas”.

Como tudo em torno parece demonstrar uma direção preferencial do tempo, poderíamos pensar que precisamos agregar alguma condição sobre a unidirecionalidade do tempo às equações de Newton, Maxwell Schroedinger e Einstein para torná-las completas.

Trabalhos recentes demonstram que o aumento da complexidade em sistemas que evoluem indicam que as teorias são completas no seu âmbito: o sentido da evolução é dado por uma medida desta complexidade.

Modelos de brinquedo (Toy models) de sistemas gravitacionais simples que colapsam, estudados por Barbour e colaboradores (7), mostram que a partir do tamanho mínimo que estes sistemas atingem a sua complexidade só aumenta, em ambos sentidos, irreversivelmente. Um reescalonamento do tempo permite formar dois Universos possíveis, ambos com um sentido único de evolução. O caráter emergente do tempo também aparece nesta simulação.

 Então, segundo Lee Smolin (2, 3), o tempo que medimos é um conceito primordial. Pelo contrário, os modelos de Barbour (7), mostram um tempo emergente, que aumenta com a complexidade das estruturas. O dilema está em aberto e merece estudos posteriores.

 Outra experiência sobre flecha do tempo vem da Mecânica Quântica, Serra (da U. Federal do ABC) (8) e colaboradores (9), manipulam  átomos de C-13 contidos em 1 trilhão de moléculas de clorofórmio independentes.  Submetidos a uma onda de rádio oscilante, com frequências crescentes, a oscilação do spin dos átomos se torna aleatória. Quando desligado o campo observa-se um efeito residual ou histerese remanescente na amostra, indicando, segundo os autores, um câmbio irreversível do sistema e por tanto um aumento da entropia da amostra que corresponderia à flecha do tempo.

Porém, a Mecânica Quântica nos proporciona a maior subversão do conceito de Espaço-Tempo, que representa uma verdadeira quebra de paradigmas e contempla a proposta de não completeza da MQ de Einstein, Podolsky e Rosen (10), quanto a inesperada resposta de Bell com as suas desigualdades (11).

O fenômeno é observado em partículas emaranhadas, isto é, que apresentam alguma propriedade complementar vinculante.

Permitam-me dar um exemplo figurativo e grosseiro do conceito de emaranhamento. Acreditava-se popularmente, ao menos quando eu era jovem, que um gêmeo sentia instantaneamente o que acontecia ao seu irmão, independentemente da distância que os separasse.  Ao que me consta, nunca estes efeitos resistiram o crivo de experimentos cientificamente montados. Se existir, este tipo de fenômeno iria contradizer as leis de Einstein.

Experimentos com pares de partículas emaranhadas (como fótons e elétrons), sistematicamente realizados nos últimos 50 anos, demonstram sem sombra de dúvidas que os mesmos comunicam-se em tempos menores que o esperado da constância da velocidade da luz e a distância que separa os detectores das duas partículas (12).   Consequentemente, ou a Teoria da Relatividade está errada, ao menos para sistemas emaranhados, ou o emaranhamento gera pontes de comunicação fora do tempo e o espaço da Relatividade Geral. Fenômenos semelhantes são esperados nos buracos negros, conforme Susskin, de Stanford, num artigo de 2014 “O emaranhamento não é suficiente”.

A solução desta nova armadilha da Natureza deve levar a um aprofundamento do seu conhecimento. Não é ocioso mencionar aqui que estes fenômenos estão sendo experimentados com interesse na aplicação à computação quântica e à criptografia.

Borges, com entrópica clareza diz: “Negar a sucessão temporal, negar o universo astronômico são desesperos aparentes e consolos secretos. Nosso destino não é terrível por ser irreal; é terrível porque é irreversível”.

Quando voltarmos a ser o pó de estrelas que já fomos, o Universo seguirá o seu curso vagaroso rumo a um infinito tão certo quanto indefinido e o céu, tão adequado à admiração quanto à compreensão, seguirá criando ilusões a desvendar, como magistralmente descrito pelo poeta espanhol do século XVI, Lupercio Leonardo de Argenzola: “Esse céu azul que todos vemos, não é céu, nem é azul, lástima que não seja verdade tanta beleza”.

Muito obrigado a todos pela honra da vossa presença e paciência.

BIBLIOGRAFIA

1- Agostinho de Hippos, “Confissões, Livro XI: O Homem e o Tempo Seção II-14”, http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/CONFISSOES_Livro_XI_O_Homem_e_o_Tempo.pdf.

2- Smolin, L. “Time Reborn”, 2014, First Mariner Books Edition.

3- Mangabeira Unger R. & Smolin, L., “The Singular Universe and the Reality of Time”, 2015, Cambridge University Press.

4- Newton, I., “Principia: Princípios Matemáticos da Filosofia”,  2008, edusp (versão em Português).

5- https://pt.wikipedia.org/wiki/J._M._E._McTaggart

6- Borges, J. L., “Antologia Pessoal”, 2012, Companhia das Letras (versão em Português).

7- Barbour, J., Koslowski, T., Mercati, F., “Identification of a Gravitational Arrow of Time”, 2014, Oct, 31st, Physical Review Letters,Vol 113, 181101.

8- http://physicsworld.com/cws/article/news/2015/nov/12/physicists-put-the-arrow-of-time-under-a-quantum-microscope.

9- Batalhão, T.B. et al., “Irreversibility and the Arrow of Time in Quenched Quantum Systems”, 2015, Nov. 2nd., Phys. Rev. Letters, 115, 190601.

10- Einstein, A., Podolsky, B. &, Rosen, N., “Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality be Considered Complete?”, 1935, May 15th, 47, 777.

11- https://en.wikipedia.org/wiki/Bell%27s_theorem

12- https://en.wikipedia.org/wiki/Bell_test_experiments

 Outras leituras sobre o tema.

 13- Cortês, M. & Smolin, L., “The Universe as a Process of Unique Events”, 2013, arXiv: 1307.6167v2[gr.qc].

14- Gefter, A., “Beyond the Space-Time: Welcome to Fase Space”, 2011, August, 3rd, New Scientist.

15- Kaplan, A., “The Long and the Short of it… Time: how much of the Cosmological Scale we control and use?, 2004, Vol. 431, Oct. 7Th, Nature. www.nature.com/nature

16- Workshop on the “Emergence of space-time in Quantum Gravity and Fundamental Cosmology”. 26-29/09/2016. Rationale.

 

Acessos entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 1337.


Um comentário em “BREVES REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE TEMPO – Palestra Professor Emérito Horacio Dottori

  1. José B B Oliveira disse:

    Muito gratificante ler!!

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