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Atrito nas rodas dos trens

Boa noite professor,

As rodas do trem, bem como os trilhos que ele percorre são de aço bastante lisos que no meu entendimento dificultaria o atrito estático responsável pelo deslocamento das composições.  A minha dúvida é seguinte: Apesar das rodas e trilhos serem bastante lisos , as rodas do trem não patinam ou seja, não entram em atrito dinâmico, qual seria o motivo?

Desde já deixo os meu agradecimentos.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Rodas de trem podem patinar e patinam apesar de o coeficiente de atrito estático aço contra aço seco ser 0,5 ou até maior (vide a tabela). Na minha juventude íamos à estação ferroviária em São Leopoldo – RS (hoje o Museu do Trem) olhar a saída dos trens com o objetivo de ver as rodas da locomotiva a vapor patinar na partida.

Os velhos trens da minha juventude tinham reservatórios de areia junto das rodas de tração que podiam despejar um pouco dela sobre os trilhos quando o maquinista percebia a perda de tração por escorregamento. Tal acontecia em aclives, principalmente em dias de chuva. O meu ex-aluno Eng. André de Marco Werner indicou o vídeo seguinte  com a tecnologia da areia na roda atualmente: Areia na roda do trem

Apesar de o coeficiente de atrito não ser pequeno a força de tração em uma locomotiva que puxa uma grande composição é facilmente superada pela componente do peso paralela à rampa. Por isso as inclinações das ferrovias são pequenas, menores do que as máximas inclinações em rodovias. Usualmente a inclinação em ferrovias não excede UM grau ou 2% (vide how-to-build-inclines-trains-can-climb). As máximas inclinações em rodovias como as BRs não excedem usualmente três graus conforme discutido em Por que a inclinação máxima nas BRs não deve exceder 3 graus?

Quando trens não podem evitar terrenos muito inclinados, a exemplo da antiga Ferrovia Santos-Jundiaí (inaugurada em 1876), onde há aclives na serra próxima a Parapiacapa com 5 graus ou 8% de inclinação, outras formas de tração se fazem necessárias não apenas para subir mas também para descer. No caso da Ferrovia Santos-Jundiaí os trechos muito inclinados eram vencidos com auxílio de cabos de aço, acionados por máquina estacionárias, que rebocavam os trens. A imagem seguinte mostra uma dessas máquinas subterrâneas agora preservadas em museu.

Outra solução possível para passar por grandes inclinações é a cremalheira, isto é, um terceiro trilho dentado no qual engata um roda de dentada de tração conforme a figura abaixo.

Vou complementar esta postagem com uma história contada pelo meu querido avô Germano Lang Filho:

Em São Leopoldo -RS havia uma pequena ferrovia para transportar pedras de uma pedreira afastada cerca de 10 km da cidade. Uma locomotiva conduzia o vagão de carga até o pé da pedreira por um terreno inclinado, mas capaz de ser galgado pela locomotiva com tração convencional. O vagão de carga era empurrado da cidade até o pé da pedreira por uma locomotiva, ou seja a locomotiva ia na traseira do vagão. A gurizada que morava próxima dos trechos inclinados da estrada de ferro se divertia em passar sabão nos trilhos e observar escondida nos matos as patinadas, que eram superadas por descargas de areia nos trilhos.

Ao chegar ao pé da pedreira o vagão vazio era engatado a outra locomotiva com cremalheira que o puxava até o alto para ser carregado. Certa ocasião, a locomotiva na parte baixa da pedreira já estava com pressão na caldeira para partir quando seu maquinista ouviu o estouro da quebra da cremalheira na outra locomotiva, sabendo que a seguir ela e o vagão carregado desceriam a ladeira em alta velocidade. O maquinista tentou a fuga dando a partida na sua locomotiva mas alguns quilômetros adiante finalmente o vagão carregado colidiu com a locomotiva que tenta escapar. Não sei quais foram os estragos mas certamente foram minorados pela tentativa de fuga.

Postagens sobre atrito: Atrito

Adicionado em 27/03/2018: A ferrovia mais inclinada do mundo se encontra na Suíça e possui inclinação de 48 graus ou 110% de inclinação percentual (tangente do ângulo de inclinação) conforme este vídeo: Ferrovia na Suíça.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 

 


7 comentários em “Atrito nas rodas dos trens

  1. Professor muito obrigado pela explicação, perdão por não revisar o texto e enviá-lo com erros de digitação e concordância.

  2. Junior disse:

    Bom dia professor.
    Como é feito a conversão do peso do vagão mais a carga q ele carrega com a força d empuxo necessária para a locomotiva conseguir puxar o mesmo ?
    Exemplo:
    Supondo uma reta perfeita, sem aclive, nem declive; temos um vagão q pesa 30 toneladas, carregando uma carga d 90 toneladas, totalizando 120 toneladas…Eu entendo q a maior força será suportada pelos trilhos, q suportará o peso do vagão carregado, mas será necessario uma força para conseguir puxa-lo, ou empurra-lo. Qual a força d empuxo a locomotiva deve exercer para conseguir mover este vagão ?
    Obrigado professor.

    • Fernando Lang disse:

      A força mínima dependerá do atrito das rodas em seus eixos e da resistência ao rolamento das rodas sobre os trilhos. Esta força mínima, admitindo que se possa desprezar o atrito das rodas em seus eixos é aproximadamente 500 vezes menor do que o peso do vagão. No teu exemplo, sendo o peso 120 mil kgf (quilogramas-força), cerca de 240 kgf é o valor da força mínima.

      • Junior disse:

        Puxa Fernando, era exatamente esta resposta q eu procuro já faz muito tempo rsrs.
        Vc poderia me ajudar a entender o q ocorre nas rampas ? Usando o mesmo exemplo q citei acima e q vc me respondeu baseado neste exemplo, em uma reta a força mínima para a locomotiva mover o vagão seria d 240 Kgf, pois esta força seria um peso 500 vezes menor q o vagão carregado. Nas rampas se alteraria este valor d 500 vezes menor q o peso do vagão, por exemplo rampa d 1%, os 500 seriam 400…Em uma rampa d 2% os 500 seriam 300…Pois nas rampas a locomotiva necessitaria d mais potência para puxar o mesmo vagão do exemplo, q ficaria mais pesado quanto maior fosse a rampa…Vc saberia me dizer a relação das rampas com o valor inicial d peso d 500 vezes menor q o peso do vagão usando o mesmo exemplo vc me disse anteriormente e q este valor seria para uma reta, desconsiderando o atrito ?
        Muito obrigado.

        • Fernando Lang disse:

          Em rampas, além da resistência ao rolamento que continua a mesma, resiste à subida também a componente do peso. Em uma rampa com 1% de inclinação percentual, aos 240 kgf da resistência ao rolamento deve-se adicionar 1200 kgf (1% de 120.000 kgf), chegando-se assim a uma força mínima de 1420 kgf.

          • Junior disse:

            Professor Fernando, vou insistir mais um pouquinho pra mim ficar craque, mas eu explico o por quê d tanta curiosidade rsrs.
            Se em uma rampa de 1%, devo adicionar mais 1% do peso do vagão, suponho q se a rampa for de 2% devo adicionar mais 2% do peso do vagão…Se for rampa de 3%, devo adicionar mais 3% do peso do vagão e assim sucessivamente ? Está correto esta minha teoria, ou conforme vai aumentando a rampa o valor da porcentagem d peso aumenta exponencialmente ?
            Agora a explicação sobre a curiosidade:
            Estou fazendo uma locomotiva modelo GE U20C em escala 10 vezes menor q a locomotiva real. Estou fazendo uma réplica exata para meu filho andar nela, porém ao invés do motor diesel, vou usar bateria automotiva. A locomotiva vai ter 6 motores d tração elétricos, q funcionará como a locomotiva real.
            Partindo do torque e RPM do motor elétrico q usarei em cada eixo, já tenho os cálculos da potência aproximada q a locomotiva terá, porém esta informação sobre a força d empuxo, ou a força d tração não estava encontrando d maneira nenhuma, mesmo perguntando para amigos ferroviários das antigas.
            Fico extremamente agradecido pela sua atenção.
            Muito obrigado.

          • Fernando Lang disse:

            Está correto o raciocínio: “Se em uma rampa de 1%, devo adicionar mais 1% do peso do vagão, suponho q se a rampa for de 2% devo adicionar mais 2% do peso do vagão…Se for rampa de 3%, devo adicionar mais 3% do peso do vagão e assim sucessivamente.”
            Adicionalmente também existe uma resistência oferecida pelo ar: a força de arrasto. Vide em Potência de tração de um veículo automotor que se movimenta com velocidade constante

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