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Aquecimento da atmosfera terrestre por efeito estufa

Professor, tenho pesquisado o efeito estufa em uma abordagem quântica.Durante a pesquisa verifiquei o recebimento da radiação visível e um pouco da radiação IV pela superfície terrestre que por sua vez emite comprimentos de onda longo. Acontece que os gases do efeito estufa tendem a recebem radiação nesse espectro de radiação (o que ocorre principalmente com a água). Quando esses gases recebem radiação acabam por reemiti-la em todas as direções. Contudo, o que explica o aquecimento dessa atmosfera terrestre? Os fótons recebido por esses gases têm a capacidade propiciar energia cinética? Qual a relação entre ondas IV e temperatura?

Respondido por: Prof. Alexandre Luis Junges - Departamento Interdisciplinar Campus Litoral Norte (UFRGS)

Entre os principais gases de efeito estufa da atmosfera terrestre estão: vapor d’água (H2O), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), CFCs e ozônio (O3) (Barry & Chorley, 2013). Dados de satélites indicam que o vapor d’água é responsável por 50% do efeito estufa da Terra, as nuvens contribuem com 25%, o CO2 com 20% e os demais gases estufa com 5%. Contudo são os gases estufa não condensáveis, como o CO2, que constituem uma forçante climática que afeta diretamente a temperatura planetária (Lacis, et al., 2010).

Em moléculas poliatômicas, como os gases estufa, além dos três graus de liberdade de energia cinética de translação, tais moléculas apresentam outros graus de liberdade que envolvem a rotação molecular e a vibração molecular, distendendo e encurtando as suas ligações químicas. Embora os modos de vibração molecular estejam inativos nas temperaturas típicas da atmosfera, eles podem se tornar ativos ao interagir com radiação infravermelha de frequência da ordem de 3×1014Hz (acima de 1μm de comprimento de onda). Assim, embora os fótons de radiação infravermelha não tenham energia (ou momentum) suficiente para alterar a energia cinética de translação das moléculas, eles podem alterar os estados quânticos internos das moléculas na forma de transições entre níveis de energia vibracional.

Uma molécula não linear com N átomos pode vibrar de 3N–6 modos diferentes, enquanto que uma molécula linear pode vibrar de 3N – 5 modos distintos. Assim, o CO2, sendo uma molécula linear triatômica apresenta quatro modos normais de vibração: deformação axial simétrica, deformação axial assimétrica e dois modos de deformação angular (Atkins & Jones, 2014). O modo de deformação axial assimétrica absorve radiação infravermelha com comprimento de onda de 4,2μm, enquanto que os modos de deformação angular absorvem radiação com comprimento de onda de 15μm. Estes constituem as bandas de absorção e podem ser visualizadas no espectro do infravermelho para o dióxido de carbono http://webbook.nist.gov/cgi/cbook.cgi?ID=C124389&Type=IR-SPEC&Index=1#IR-SPEC.

Para compreender como a presença de gases de efeito estufa gera um aquecimento da atmosfera terrestre precisamos tratar do balanço de energia da Terra, ou seja, o equilíbrio radioativo entre a energia que entra no sistema terrestre e a energia que sai. A Terra na distância média do Sol de 150.000.000 km recebe energia a uma taxa dada por P = π.R2.I.(1-α) =1,22X1017 W (onde R=6.370 km é raio da Terra; I=1.361 W/m2 conhecida por “constante solar”; α=0,3 é o albedo da Terra).

Essa quantidade gigantesca de fluxo de energia incidente na Terra (1,22×1017W) se distribui na superfície esférica da Terra de área 4.π.R2. Assim, obtemos que a intensidade da energia (I=P/A; W/m2) que a Terra recebe é dada por Iin=I.(1-α)/4 = 239 W/m2.  Para não aquecer indefinidamente a Terra precisa “liberar” energia. A única maneira da Terra fazer isso é emitindo energia para o espaço na forma de radiação infravermelha conforme: Iout=σ.T4 (lei de Stefan-Boltzmann, onde a emissividade foi aproximada para e=1). Na situação de equilíbrio, temos que Iin= I.(1-α)/4 = σ.Tef4 = Iout, de onde obtemos que a temperatura efetiva (Tef) da Terra é 255 K (-18oC). Essa situação é exemplificada na figura 1(a), onde na hipotética “Terra fria”, que não possui efeito estufa, a radiação infravermelha encontra caminho livre para o espaço. Dessa forma, a sua temperatura de superfície é igual a temperatura efetiva (a temperatura efetiva designa a temperatura de equilíbrio do planeta, mais precisamente a temperatura efetiva corresponde a temperatura de um corpo negro que emite a mesma intensidade de energia: Tef = (I/σ)1/4).

Contudo, em planetas com atmosfera substancial, com a presença de gases estufa, como Vênus e a Terra, a radiação infravermelha não encontra caminho livre para o espaço. A figura 1(b) ilustra de modo simplificado essa situação para um modelo de camada única da atmosfera. Na presença da atmosfera, grande parte da emissão infravermelha para o espaço emana dos gases atmosféricos e não da superfície. Dessa forma, a temperatura efetiva de 255 K ocorre a uma determinda altitude acima da superfície. Tal altitude é conhecida por “região emissora média” e depende principalmente da opacidade da atmosfera frente ao infravermelho (Mitchell, 1989). Ou seja, um instrumento localizado no espaço e que detecta a radiação emitida pela Terra irá medir a intensidade de 239 W/m2 como sendo proveniente não da superfície, mas dessa região emissora média localizada a uma altitude de aproximadamente 5,5 km para Terra (Mitchell, 1989; Pierrehumbert, 2011).

Consequentemente, considerando que o gradiente de temperatura da troposfera é em média aproximadamente 6K/km, a temperatura de superfície será dada por Ts=255 K+ΓH (onde Γ é a altitude da região emissora, H é o gradiente térmico da troposfera). Fazendo Γ=5,5 km e H=6 K/km, encontramos para a temperatura de superfície 288 K (15oC) (valor observado da temperatura média da superfície terrestre). Vemos assim que a diferença de 33oC entre a temperatura de equilíbrio e a temperatura observada deve-se justamente ao efeito estufa.

Cabe notar que em planetas com atmosferas tênues como Marte (pressão atmosférica de 0,0064 bar), a temperatura efetiva e a temperatura de superfície estão muito próximas (Tabela 1). Isso porque em Marte a região emissora de temperatura efetiva 209 K está muito próxima da superfície (cerca de 1 km), resultando num efeito estufa fraco. Em contraste Vênus, com uma atmosfera densa (pressão atmosférica de 92 bar) e alta concentração de CO2 (96%), a região emissora de temperatura efetiva 226 K encontra-se em altitudes elevadas (cerce de 70 km), assim, Vênus apresenta uma grande diferença entre a temperatura efetiva e de superfície, o que indica a presença de um intenso efeito estufa (Mitchell, 1989, Pierrehumbert, 2011).

A questão também pode ser analisada de outra perspectiva. Como indicado na Figura1(b) a atmosfera foi modelada como uma única camada isoterma que se comporta como um corpo negro. Assim, a radiação emitida pela superfície (σ.Ts4) é absorvida completamente pela atmosfera e reemitida para cima (σ.TA4) e para baixo (σ.TA4). Observemos que a componente σ.TA4 para baixo indica a contribuição do efeito estufa (também denominada downward radiation e medida por instrumentos na superfície da Terra como o pirgeômetro). Já a componente σ.TA4 para cima, representa, neste modelo simplificado, a energia que é emitida para o espaço. Assim, na situação de equilíbrio, balanço de energia para a camada, temos:  σ.Ts4= σ.TA4+σ.TA4. Simplificando a expressão e fazendo TA=Tef=255 K, obtemos que e TS=1,18.TA=1,118 (255K)=303 K. Vemos aqui que este modelo nos fornece uma temperatura de superfície de 303 K, distinta dos 288 K observados na superfície da Terra e indicados na Figura 1(b). Essa diferença é devido a simplificação do modelo de camada única e que considera apenas a radiação como forma de transferência de energia na atmosfera. Contudo, na troposfera da Terra a convecção é responsável pela maior parte do resfriamento da superfície, ao transportar ar aquecido da superfície para as partes superiores da troposfera, determinando, assim, o gradiente térmico de temperatura (Lindsey, 2009). Cabe notar que em modelos mais realistas, como os chamados modelos radioativo-convectivos, a convecção é incorporada (Goody, & Walker, 1996; Pierrehumbert, 2011).

Por fim, apesar da convecção predominar na baixa troposfera, determinando o perfil de temperatura desta camada, o “resfriamento” do planeta depende, em última instância, da emissão de radiação infravermelha para o espaço nas camadas elevadas como discutido acima. Ou seja, no final das contas, é o balanço radioativo de energia nas altitudes elevadas da troposfera que determina a temperatura planetária (Pierrehumbert, 2011). É por esse motivo que a questão do aumento da concentração de gases de efeito estufa é tão importante e vem preocupando os cientistas https://climate.nasa.gov/vital-signs/carbon-dioxide/. Um aumento da concentração de gases estufa terá como efeito um aumento da opacidade da atmosfera frente ao infravermelho, como consequência elevará a região emissora média do planeta para uma altitude em que a temperatura é menor que a temperatura efetiva de 255K. Para manter o balanço de energia a atmosfera e a superfície deverão esquentar até que a temperatura na nova altitude da região emissora seja 255K (Mitchell, 1989). Ou seja, partindo da temperatura efetiva de 255K numa altitude mais elevada (Γ>5,5 km), descendo pelo gradiente térmico fixo (H=6 K/km), interceptamos o eixo das temperaturas num valor mais alto para superfície, conforme a expressão Ts=255K+ΓH. Assim, um aumento de 300 metros na altitude da região emissora resultaria num aumento de 1,8oC na superfície.

Referências:

Atkins, P. & Jones, L. (2014). Princípios de química. Porto Alegre: Bookman.

Barry, R. & Chorley, R. (2013). Atmosfera, Tempo e Clima. Porto Alegre: Bookman.

Goody, R. & Walker, J. (1996). Atmosferas planetárias. São Paulo: Edgard Blucher.

Lacis, A., et al. (2010). Atmospheric CO2: Principal Control Knob Governing Earth’s Temperature. Science. https://science.sciencemag.org/content/330/6002/356.

Lindsey. R. (2009). Climate and the Earth Energy Budget. Disponível em: https://earthobservatory.nasa.gov/features/EnergyBalance.

Mitchell. J. (1989). The “greenhouse effect” and climate change. Reviews of Geophysics.

https://doi.org/10.1029/RG027i001p00115.

Pierrehumbert, R. (2011). Infrared radiation and planetary temperature. Physics Today.

https://doi.org/10.1063/1.3541943.


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