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Ainda sobre o Princípio da Incerteza

Prezado Professor Claudio,

Fiquei realmente impressionado com a qualidade e o nível de profundidade da resposta em Princípio da Incerteza de Heisenberg, especialmente pelo reconhecimento de que essa questão ainda é “alvo de intensos debates relacionados aos fundamentos da Física Quântica”. Muito obrigado!

Então, se entendi bem, a incerteza inerente a certas propriedades de uma partícula quântica deve advir da sua natureza ondulatória. O que não ficou tão claro pra mim é como a Transformada de Fourier conecta as grandezas, no caso analisado, posição-momentum, de modo que a alteração da distribuição de probabilidade da função de onda normalizada de uma deve necessariamente estar relacionada com a distribuição de probabilidade da outra. Mas imagino que essa seja uma consequência de uma descrição matemática da pergunte que vem a seguir:
se de fato entendi bem e a incerteza vem da natureza ondulatória do ente em questão, também encontramos incerteza na medição de ondas não quânticas, isto é, ondas mecânicas ou eletromagnéticas? Qual seria a explicação física para ondas terem uma incerteza associada? Pensei sobre isso mas não encontrei respostas.

Ah, muito obrigado pela deixa sobre sistemas caóticos – a possibilidade de não haver previsibilidade mesmo em sistemas determinísticos. Parece um assunto interessantíssimo!

Respondido por: Prof. Cláudio José de Holanda Cavalcanti - IF-UFRGS

Oi Leonardo.

Fico feliz que você ficou satisfeito. E obrigado pelos elogios.

E sobre as suas dúvidas, respondo a seguir. Grande abraço. Cláudio.

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1 – Como a Transformada de Fourier conecta as grandezas, no caso analisado, posição-momentum, de modo que a alteração da distribuição de probabilidade da função de onda normalizada de uma deve necessariamente estar relacionada com a distribuição de probabilidade da outra?

Na verdade as duas são função de onda. E ambas descrevem o mesmo estado, apenas em representações diferentes. Suponhamos que o objeto quântico está em um estado de posição bem localizado, descrito por ums função de onda cujo módulo quadrado está mostrado na figura 5.a superior. o módulo quadrado dessa função de onda é uma curva gaussiana com pequena largura – basicamente nos dá a distribuição probabilística da posição do objeto quântico.

Para encontrar a representação de momentum dessa função de onda, se toma a sua Transformada de Fourier. Resulta daí uma outra função, cujo módulo quadrado nos dá a distribuição de momentum desse mesmo estado, mostrado na figura 5.a inferior.

Em resumo, ambas representações descrevem o mesmo estado quântico. O que muda é apenas a representação. Além disso, a Transformada de Fourier de uma função gaussiana é também uma função gaussiana (ver http://mathworld.wolfram.com/FourierTransformGaussian.html). E como diz o texto, há uma propriedade importante da Transformada de Fourier: se a gaussiana tem uma largura pequena na representação de posição, na representação de momentum, a largura será grande. Em outras palavras, gaussianas estreitas na representação de posição (pouca incerteza em posição) necessariamente levam a gaussianas largas na representação de momentum (bastante incerteza em momentum). E vice-versa.

Essa propriedadde das transformadas de Fourier valem também para outras funções similares às gaussianas (funções com pico em um determinado valor e que se anulam para pontos suficientemente distantes do pico).

Note no link que citei (http://mathworld.wolfram.com/FourierTransformGaussian.html), que o parâmetro que define a largura da gaussiana é o parâmetro “a” (tem dimensão de 1/L², inverso do quadrado de comprimento). Valores grandes de “a” levam a uma gaussiana estreita. Valores pequenos levam a uma gaussiana larga.

Na Transformada de Fourier, o parâmetro “a” aparece como “1/a” na exponencial. Ou seja, nessa representação, valores grandes de “a” levam a uma gaussiana larga, o contrário do que ocorre na gaussiana original.

2 – Encontramos incerteza na medição de ondas não quânticas, isto é, ondas mecânicas ou eletromagnéticas? Qual seria a explicação física para ondas terem uma incerteza associada?

Sim, existe uma relação similar ao Princípio da Incerteza de Heisenberg para ondas clássicas – conhecida antes da Física Quântica ser proposta. Porém, no caso de ondas clássicas, não estamos falando propriamente em incerteza em medição.

A relação (uma delas) é essa – dá uma olhada em http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/Waves/wpack.html:

Δk·Δx ≥ 1/2

Na relação acima, k = 2π/λ é o número de onda (λ é o comprimento de onda). Suponha que se queira construir um pulso de onda, localizado no espaço. Basicamente, essa relação impõe um limite no tipo de onda que se pode construir – Δk é a largura dos valores de número de onda contidos no pulso (ou comprimento de onda) e Δx é a largura do pulso.

Por exemplo, os livros didáticos sempre apresentam ondas puras (monocromáticas) quando introduzem o tema Ondas. O termo “monocromático” faz pensar em “cor única” – devemos cuidar, pois comprimento de onda não está necessariamente associado à sensação fisiológica “cor”, tal como a frequência.

Conscientes disso, imaginemos uma onda eletromagnética monocromática no vácuo. essa onda contem apenas um valor de k (ou de λ). Nesse caso, Δk = 0 e Δx é infinito, ou seja, a onda pura, monocromática, é perfeitamente periódica e se estende infinitamente ao longo da direção x. A relação acima proíbe, poe exemplo, criar um pulso localizado e ao mesmo tempo monocromático.

Na natureza não existem ondas monocromáticas. No caso eletromagnético, mesmo as ondas mais próximas de serem monocromáticas apresentam uma largura em frequência (e, portanto, no número de onda k – o LASER, por exemplo). Assim, elas não se estendem infinitamente pelo espaço com uma forma perfeitamente periódica.

Para construir um pulso eletromagnético relativamente bem localizado (Δx pequeno), precisamos de uma largura Δk em número de onda, em um intervalo de valores grande o suficiente para satisfazer a relação Δk·Δx ≥ 1/2. Em resumo, para construir esse pulso teríamos que combinar infinitas ondas com valores de k dentro da largura mínima Δk = 1/(2·Δx).

Por fim, da relação Δk·Δx ≥ 1/2 é possível obter a forma matemática do Princípio da Incerteza de Heisenberg. Basta substituir Δk por ћ·Δpx (relação de de Broglie). Claro, como mostra o texto, a interpretação é bem diferente daquilo que explico aqui para as ondas clássicas.

Espero ter ajudado.


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