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Achatamento da Terra segundo a Mecânica Cartesiana e a Mecânica Newtoniana

Como a Mecânica Cartesiana e a Mecânica Newtoniana previam o achatamento da Terra?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Meu ex-aluno e amigo Elizeu perguntou no FB “como a Mecânica Cartesiana previa o achatamento equatorial da Terra?”.

Figura 1 – A forma da Terra segundo as duas mecânicas.

Como considero a resposta interessante e educativa a respondo por aqui também, tentando uma explicação resumida e simplificada para um tema complexo, envolvendo a Física Cartesiana e a de Newton.

A Mecânica Cartesiana foi uma teoria constituída sob a hipótese copernicana e, portanto, pretendia dar suporte dinâmico a esta ideia revolucionária de Copérnico. Entretanto somente admitia “forças de contato”. A possibilidade de ação a distância foi descartada por Decartes (1596-1650) e posteriormente os cartesianos que lhe sucederam, quando do advento da Lei da Gravitação Universal de Newton,  julgaram a Lei da Gravitação Universal um “monstro metafísico” (vide Newton e a teoria da gravitação – Perguntas do Globo Ciência).

A concepção de Descartes para explicar que os planetas se trasladam em torno do Sol e que cada planeta também pode ser um centro de órbitas, como conhecidamente acontecia com a Terra e Júpiter (Galileu vinte anos antes já havia detectado os satélites de Júpiter), foi a sua Física de Vórtices. É bem conhecido que se giramos por exemplo água com folhas de chá em uma xícara, as folhas que são mais densas do que a água vão para o centro do vórtice assim produzido.  Descartes imaginou que o Sol e cada planeta era um centro de vorticidade que arrastava em direção a ele a matéria mais densa. Dessa forma, por exemplo, na Terra encontramos mais perto do centro a matéria mais densa, por cima a atmosfera menos densa e o vórtice se estendia inclusive à matéria sutil que permeia o espaço interplanetário, o “éter cartesiano”, arrastando a Lua …

A gravidade era então originada por contato, por pressão da matéria que circula sobre a matéria próxima. Ou seja, esta Física dos Vórtices é de fato uma Mecânica de Fluidos e tudo se transmite através do fluido por pressão. Newton posteriormente desenvolveu a Mecânica de Fluidos, aplicando-a aos vórtices para demonstrar que em vórtices as Leis de Kepler não eram cumpridas.

Aplicando tal ideia à questão da forma da Terra na Física Cartesiana, a pressão maior em direção ao centro acontece aonde a velocidade de translação em torno do centro é maior, isto é no equador, produzindo assim o achatamento equatorial. Parece-me (?) que tal previsão era somente qualitativa. Não sei (nunca estudei mais a fundo esta Física dos Vórtices) se havia alguma previsão quantitativa para o achatamento equatorial como havia no caso da Mecânica de Newton para o achatamento polar.

Mais sobre isto, caro Elizeu, somente se lermos com cuidado os textos cartesianos.

As primeiras medidas do achatamento foram realizadas por expedições francesas, patrocinadas pela Real Academia de Ciências da França e subvencionadas por Luís XV, por volta de 1736 quando então Newton já estava morto.

Uma dessas expedições foi à Lapônia (região ao norte da Europa, próxima ao círculo polar) e a outra foi para a América do Sul, isto é, na região equatorial do então vice-reinado do Peru. Por volta de 1730, Maupertius (físico newtoniano francês), em uma obra célebre sobre a “figura da Terra“, apresentou os métodos astronômicos que poderiam ser usados (e o foram depois) na medida de 1 grau do meridiano terrestre próximo do polo norte e no equador. Ou seja, medindo-se o comprimento do arco que corresponde ao deslocamento angular de 1 grau em latitude (um deslocamento de cerca 111 km ao longo do meridiano) sobre a superfície da Terra, se poderia decidir quem estava certo entre Newton e Descartes. As medidas realizadas pelas expedições francesas resultaram em que o comprimento do arco de 1 grau do meridiano terrestre era mais de 1 km maior na Lapônia (em 1737) do que em Quito, no atual Equador.

As medidas do achatamento terrestre segundo as expedições geodésicas francesas de 1736 resultaram em uma diferença de cerca de 33 km a mais entre o raio equatorial e o raio polar, corroborando a previsão de Newton de que a Terra é achatada nos polos e não no equador e encontrando um resultado próximo à previsão newtoniana de 26 km para a diferença.

Tais medidas foram decisivas para que a Mecânica de Descartes, já desgastada frente à Mecânica de Newton em outros contextos, fosse finalmente superada na França.

Há um livro escrito por La Condamine, comandante da expedição francesa para a América do Sul, sobre as atividades científicas então desenvolvidas. O livro está disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action&co_obra=19329

Especialmente sobre a previsão de Newton sobre o achatamento da Terra vide a postagem Achatamento polar da Terra e centrifugação dos oceanos para o equador.

Este tema está discutido no artigo publicado em A Física na Escola, disponível no ResearchGate.

Outras questões relacionadas ao tema:

“Docendo discimus.” Sêneca

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