A Teoria das Ondas Piloto na Mecânica Quântica
11 de abril, 2024 às 19:03 | Postado em Mecânica quântica
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/O que é a Teoria das Ondas Piloto?
A moderna mecânica quântica tem início em 1925, com a publicação do trabalho de W. Heisenberg e um ano depois, Erwin Schroedinger pública o artigo apresentando a equação de onda. E neste mesmo ano ocorre o Congresso de Solvay, que começa a estabelecer o que denominamos a interpretação ortodoxa da Mecânica Quântica (que é tradicionalmente ensinado nos cursos de graduação em física).
A dualidade onda-partícula, é um dos conceitos mais importantes dentro da abordagem da mecânica quântica. Esta dualidade estabelece que um objeto dependendo da medida pode se comportar como onda OU como uma partícula, um exemplo tradicionalmente apresentado é o da fenda dupla, no qual observamos um padrão de interferência característico de ondas, mas se determinarmos por qual fenda ocorreu a passagem, o obtermos um resultado com características de partículas.
No entanto, alguns anos antes, Louis De Broglie publica uma série de artigos [1], e apresenta a chamada Teoria de Ondas Pilotos. Nestes trabalhos Louis De Broglie, defende a igualdade entre Princípio de Maupertius e o Princípio de Fermat [2]. Nos trabalhos de Louis De Broglie, existem a onda E a partícula. A onda funcionando como um guia (onda guia) para a partícula. Foi a partir dos trabalhos de Louis De Broglie, que Schroedinger obteve a sua equação, mas retirou o conceito de partícula, mantendo apenas o conceito de onda.
Após 1926 [3], a ideia da Teoria de Ondas Pilotos, praticamente foi esquecida. Somente seria retomada em 1952, com a publicação de um artigo por David Bom. Por este motivo, hoje falamos da Mecânica Bohmniana ou Teoria de Bohm [4].
Mas o que é a Teoria das Ondas Pilotos?
Na Teoria das Ondas Piloto, a função de onda é descrita pela equação de Schroedinger, a mesma que é ensinada nos cursos de graduação. A diferença é que agora existe também a partícula, sendo que o movimento da partícula não é descrito pela Equação de Schrodinger, mas por uma outra equação que relaciona a velocidade da partícula com a função de onda, que é obtida com a solução da equação de Schroedinger, e servem como uma onda guia (onda piloto) para a partícula. Nesta formulação, as partículas possuem posição e momento linear (ou a velocidade) bem definidos, e são consideradas como as “variáveis escondidas ” [3] da teoria (não aparecem na função de onda).
De acordo com a teoria de ondas pilotos, as trajetórias das partículas são reais, mas devido as condições iniciais que são aleatórias, não é possível determinar com precisão qual a sua trajetória real. Com a teoria de ondas piloto, os resultados obtidos com a mecânica quântica ortodoxa, podem ser reproduzidos, com a grande vantagem de que não é necessário introduzir o colapso da função de onda, isto é, o chamado problema da medida, deixa de existir.
Uma questão interessante é que na Teoria de Ondas Pilotos, uma partícula livre NÃO segue uma trajetória retilínea, isto porque a dinâmica não é a Newtoniana, e de acordo com De Broglie (citado em [1]):
“O quanta de luz [átomo de luz] … não propaga sempre em uma linha reta …parece necessário modificar o princípio da inércia”
Em muitas situações nas quais classicamente (isto é, movimentos descritos pela física newtoniana) temos movimento, na Teoria de Ondas Pilotos, a partícula possui velocidade nula! De forma que fica claro que na proposta das ondas pilotos, estamos trabalhando com uma nova dinâmica (no congresso de Solvay de 1927, o título do trabalho apresentado por Dr Broglie foi “The New Dynamics of quanta”), de forma que as concepções newtonianas deixam de ser válidas.
A teoria de ondas piloto ou mecânica bohmniana, é uma das alternativas para a mecânica quântica tradicional. Mas dificilmente faz parte da formação dos profissionais de física. Para os defensores da mecânica bohmniana, existem muitos motivos que justificam a sua utilização, mas fora destes círculos é normalmente ignorada. Talvez, na véspera de completarmos 100 anos da mecânica quântica, uma introdução aos conceitos básicos da teoria de ondas pilotos seria uma boa atitude nos cursos de graduação em física.
Notas e referências
[1] Sobre os artigos de Louis de Broglie, ver por exemplo G. Bacciagalluppi e A. Valentini, Quantum Theory at Crossroads, com acesso livre nos arxiv. A tese de doutorado de L. De Broglie, traduzido para o inglês pode ser acessado neste link.
[2] O Princípio de Maupertius, é utilizado para obter a trajetória partículas, e o Princípio de Fermat para obter a trajetória da luz. De Broglie, faz esta identidade considerando a proposta de Einstein de considerar a luz como uma partícula (o efeito fotoelétrico).
[3] Em 1927, foi realizado o quinto Congresso de Solvay, quando começa a ser estabelecido o que denominamos Interpretação de Copenhague da Mecânica Quântica. Ver [1], que faz um detalhamento do V Congresso Solvay.
[4] Ver por exemplo Rodrigo Siqueira-Batista , Mathias Viana Vicari, José Abdalla Helayël-Neto, David Bohm e a Mecânica Quântica: o Todo e o Indiviso, Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 44, e20220102 (2022), DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2022-0102 (o acesso é livre).
No meu mestrado eu trabalhei com a Mecânica Bohmiana ou Mecânica Ontológica e na minha opinião o melhor livro para a introdução ao tema é o The Undivided Universe, de David Bohm e Basil Hiley. No início do terceiro capítulo ele mostra como a substituição da função de onda Psi por uma expressão de R exp (i S/h) na equação de Schroedinger resulta no surgimento de duas novas equações, onde R e S são funções de posição e tempo. Uma das equações é a equação de Hamilton-Jacobi para a função S e a outra é a equação de continuidade para a densidade de probabilidade Psi^2. É realmente uma interpretação de MQ complementar à de Copenhagen e muito interessante!