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VASOS COMUNICANTES E INUNDAÇÃO EM PORTO ALEGRE

Fui aluna de física da Profa. Maria Cristina Varriale no meu preparo para o vestibular em 1989. As aulas foram tão completas que volta e meia alguns conteúdos surgem em minha memória! No meu trabalho como psiquiatra, volta e meia me pego correlacionando o funcionamento do aparelho mental com o princípio dos vasos comunicantes, inclusive nesse momento em que ansiedade e tristeza estão inundando a nossa mente. PERGUNTA: De que modo a inundação da cidade pode ser compreendida a partir da teoria dos vasos comunicantes?  Obrigada. Daniela Zippin Knijnik

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

É uma boa pergunta e de fato podemos considerar os dutos dos esgotos de uma cidade como um grande sistema de vasos comunicantes. A água dentro desse sistema procura a situação de equilíbrio que ocorreria quando a superfície do líquido em todos os locais em contato com a atmosfera estivessem no mesmo nível. Entretanto em um sistema de drenagem pluviométrica  o equilíbrio hidrostático dificilmente acontece, principalmente quando há fortes chuvas e, como bem sabemos, a água escoa em direção à região mais baixa do sistema.

Porto Alegre tem um sistema de proteção contra cheias, construído para prevenir catástrofes como a enchente de 1941 quando o lago Guaíba subiu 4,8m.

O  sistema de proteção (detalhado na figura abaixo)  é composto por 68 km de diques de terra, 2,65 km de muro na avenida Mauá no centro da cidade, 14 comportas ou portões (que permitem a passagem para fora da região de proteção como o cais do porto, algumas somente fechadas em caso de iminente inundação) e diversas casas de bomba em locais estratégicos (leia mais sobre o sistema de proteção aqui).

O sistema de proteção, inaugurado na década de 1970, foi construído para resguardar Porto Alegre contra a elevação de até 6m no nível do lago Guaíba.

Entretanto a inundação da cidade aconteceu antes que o lago Guaíba atingisse o nível máximo de 5,3m registrado em 5/5/2024. Ou seja, a água não passou por cima do sistema de proteção como ocorreu, por exemplo, no munícipio de São Leopoldo, banhado pelo rio dos Sinos.

A inundação aconteceu por falhas do sistema de proteção. A comporta 14 no dique do bairro Navegantes (vide a figura anterior) rompeu e algumas outras apresentaram vazamentos. Mas a pior falha foi o não funcionamento de 19 das 23 casas de bombas.

É necessário bombear a água para a região externa ao sistema de proteção pois do contrário quase toda a água da chuva que cai sobre a cidade descerá para as regiões mais baixas (conforme discutido no primeiro parágrafo que tratou da concepção dos condutos pluviométricos como vasos comunicantes), internas ao sistema de proteção, se acumulando e produzindo alagamentos. E isto pode acontecer mesmo quando o lago Guaíba não atingiu a cota de inundação (a cota é 3m acima do nível normal). Assista aqui o atual prefeito de Porto Alegre, quando em campanha em 2020, denunciando os defeitos nas casas de bombas e os consequentes alagamentos devido a problemas de manutenção, problemas que infelizmente não foram sanados em sua gestão conforme ficou evidente na atual catástrofe.

Os especialistas afirmam que os danos teriam sido muito menores caso o sistema de proteção estivesse funcionando plenamente. Em especial ouça aqui (ou leia aqui) a manifestação da arquiteta (professora da UFRGS) Lígia Bergamaschi Botta, esposa do engenheiro Décio Botta que trabalhou na construção dos muros e das casas das bombas. Assista aqui o depoimento do engenheiro Damiani sobre as falhas na manutenção do sistema de proteção contra enchente.

Finalmente, pessoas observaram em alguns bairros (por exemplo Cidade Baixa, Menino Deus) que a água que inundava as ruas provinha dos esgotos, conforme se espera em um sistema de vasos comunicantes em caso de inoperância das bombas de drenagem, corroborando assim o depoimento da arquiteta Lígia.

ADITADO em 14/05/2022

Hoje o nível do lago Guaíba continua elevado 5,22m. Entretanto no centro da cidade ruas que tinham mais de um metro de água já estão secas. Tal foi possível porque as casas de bombas voltaram a funcionar. Fica assim demonstrado de forma indubitável que o alagamento poderia ter sido evitado  caso elas estivessem funcionando desde o início da catástrofe.

ADITADO em 24/05/2024

Ontem, devido a forte chuva e persistentes problemas nas casas de bombas, diversos locais de Porto Alegre foram alagados novamente.

 

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 

 


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