Sobre a orientação solar das ruas de uma cidade.

12 de agosto, 2020 às 10:32 | Postado em Astronomia

Professor Lang

Há alguns anos assisti uma palestra  na UNIPAMPA de Bagé na qual o senhor discorreu sobre a orientação das ruas de uma cidade e suas consequências na insolação recebida pelas habitações. Lembro também que o sr. exemplificou com uma cidade gaúcha com orientação inadequada, se estou lembrado era Ijuí. O senhor poderia fazer um post sobre o tema ou indicar algum material? Agradeço antecipadamente.

 

A orientação das ruas de uma cidade e a insolação que nelas acontece está em uma palestra que realizei em diversos locais e que faz parte do projeto Simplifísica da UFRGS: Sombras da luz solar.

Há muitos anos tenho perguntado para meus alunos sobre a razão pela qual o traçado de ruas orientadas na direção leste-oeste é inconveniente. Invariavelmente recebia como resposta algo do tipo: os motoristas que trafegam em tal rua podem ficar ofuscados pelo sol ao amanhecer e ao entardecer.

Esta resposta, além de ter como pressuposto que o traçado de ruas serve exclusivamente ao trânsito de veículos, decorre de uma ideia extremamente difundida de que sempre o Sol tem seu nascente a leste e o seu poente a oeste.  Em qualquer local da Terra a posição do nascente solar (ou do poente) varia no mínimo 47° (esta é a variação no equador) ao longo do ano e somente nos equinócios se localiza no leste exatamente. Aqui em Porto Alegre (30° de latitude sul) esta variação é cerca de 55° do solstício de inverno para o solstício de verão e cresce conforme se considera latitudes maiores. Vide Mudança na posição do nascente do Sol!

Ruas orientadas na direção leste-oeste no hemisfério sul podem receber radiação solar direta em apenas um dos lados da rua (o lado mais ao sul) desde o equinócio de outono até o equinócio da primavera pois o Sol se encontra sempre ao norte no outono e no inverno. E para que a radiação solar atinja o lado sul da rua as construções no lado norte não devem ser altas o suficiente para projetar sombras até lado sul. Então a calçada no lado norte da rua estará na sombra durante o outono e o inverno.

Existem pelo menos duas cidades no RS para as quais os traçados das ruas seguem exatamente as direções norte-sul ou leste-oeste: Ijuí (a Figura 1 é uma foto desta cidade retirada do Google Earth)  e Ajuricaba.

A foto da Figura 1 foi tomada em 21 de junho de 2019, portanto no solstício de inverno, dia em que a elevação ou altitude do Sol ao meio-dia é a mínima anual e vale 38,2° em Ijuí. Nesse dia a sombra de uma edificação é no mínimo 1,3 vezes maior do que a altura da mesma (no sítio Suncalc pode-se obter para uma dada localidade informações sobre as posições do Sol ao longo de qualquer dia).

Pela orientação das sombras na Figura 2, mostrando alguns quarteirões no centro de Ijuí, é possível inferir que a foto foi tomada antes e próxima ao meio-dia. Nota-se perfeitamente que a calçada norte da rua orientada na direção leste-oeste se encontra na sombra das edificações. Assim permanece durante todos os dias de outono e inverno desde o amanhecer até o anoitecer. Desta forma a fachada das edificações no lado norte rua tende a ser úmida e fria.

Quando falei sobre este inconveniente das ruas orientadas na direção leste-oeste na UNIPAMPA de Bagé, um assistente comentou que os prédios em algumas ruas bageenses com esta orientação, eram mais valorizados no lado sul da rua (onde as fachadas dos prédios recebem radiação solar no inverno) do que no lado norte.

Se as ruas estiverem orientadas em uma direção inclinada em relação à direção leste-oeste (por exemplo, na direção sudoeste-nordeste) os dois lados da rua poderão receber radiação solar direta durante algumas horas por dia e tal condição é desejável. Como exemplo de cidade planejada no RS, com ruas largas, adequadamente orientadas em termos da insolação, a Figura 3 apresenta a parte central de Erechim. A planta de Erechim foi inspirada na planta de Belo Horizonte que por sua vez teve como inspiração a planta de Paris.

“Docendo discimus.” (Sêneca)