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Ruído em um carro com janela aberta

O que causa um ruído em alguns carros que andam na estrada com a janela  aberta? Como impedir esse ruído?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

O que causa um ruído em alguns carros que andam na estrada com a janela   aberta [1]?  Não o ruído contínuo do vento entrando no carro,  nem o  ruído devido a problemas de vedação ou de peças soltas. Mas o   ruído intenso periódico e de baixa frequência que surge principalmente quando o carro se desloca com velocidade  que inicia em torno dos 60 km/h  e que vai aumentando com a velocidade. Um ruído que desaparece ao fecharmos as janelas.    O que causa este ruido periódico ?

Nos gráficos da figura 1, apresentamos o gráfico  do sinal sonoro que foi registrado dentro do carro (com um celular, portanto não é um equipamento muito preciso). No lado esquerdo,  com as janelas fechadas e no lado direito, com a janela traseira aberta.  O eixo horizontal é o tempo e o eixo vertical a intensidade do som.  Ao abrir a janela, ocorre uma mudança na característica do som registrado no celular (e percebemos de forma bem intensa esta variação).

Este ruído ocorre devido ao fenômeno de ressonância. De maneira bem simplificada, com todas as janelas fechadas e o carro andando, o ar passa sem entrar no carro. Ao abrirmos  uma janela,  o ar de fora é “empurrado” para dentro do carro. O ar empurrado é comprimido contra as paredes internas do carro. Este ar comprimido, depois volta a expandir (o ar tem um comportamento semelhante a uma mola) sendo empurrado para fora. Mas o ar externo continua a entrar e volta a comprimir o ar interno ao carro. Este processo de expansão e compressão pode ocorrer de maneira aperiódica, mas dependendo das condições surge um movimento periódico, e dizemos que  o sistema entra em ressonância [2]. Vamos denominar este ruído periódico dentro do carro de ruído ressonante (para quem tiver curiosidade, o termo usual em inglês é wind buffeting (ou buffeting noise) que em uma tradução livre seria golpe de vento), a frequência deste ruído é bem próxima do limite inferior da sensibilidade auditiva (20 Hz).

Este tipo de fenômeno – a ressonância – é muito comum e importante em instrumentos musicais. Talvez o instrumento musical mais simples, onde o fenômeno de ressonância surge é quando assopramos  sobre o gargalo de uma garrafa. O interior do carro seria o análogo do interior da garrafa, e o vento externo o análogo da pessoa assoprando no gargalo. O  interessante no caso do ruído ressonante nos carros  é  que  carros com melhor aerodinâmica, produzem  ruído ressonante mais intenso. A ressonância depende também do volume da cavidade (no caso o interior do carro) e do tamanho da abertura da cavidade (no caso do carro, a janela). A absorção das paredes internas também afeta a ressonância da cavidade. Um exemplo desta ressonância é a chamada Ressonância de Helmholtz [3].

O ruído é mais intenso com apenas uma janela aberta, se abrirmos as duas janelas,  o ruido diminui (mas dependendo da velocidade e da sensibilidade auditiva, podemos não sentir esta diferença), como indica o figura abaixo (fonte Buffeting noise of automobile at running speeds ) mostrando as diferenças na frequência e na pressão com  uma janela aberta (pontos em azul) e duas janelas abertas (círculos em  vermelho).

Na figura 3, apresentamos um resultado da medida do espectrograma (para quem não sabe o que é um espectograma, basicamente é a intensidade do ssinal em função da frequência) retirado do artigo Side window buffeting: a smartphone investigation on a car trip para determinar a frequência de ressonância de Helmholtz [3] dentro de um carro. Existe um pico em torno dos 20 Hz (ver figura da esquerda). Na figura da direita, é apresentado a região de frequência  da predominância do ruído, a primeira coluna com as janelas fechadas, a do meio com uma única janela aberta e a da direita com as duas janelas abertas. Note que ao abrir as duas janelas a faixa azul claro aumenta de largura, em relação ao caso de uma única janela aberta, e surgem ruídos em frequências mais altas, que também pode ser visto na figura 1.

Neste artigo os autores modelam o sistema como um ressonador de Helmoltz, e comparam o resultado teórico com medidas experimentais. Para o carro andando na faixa de 110 -160 km/h , os autores obtiveram experimentalmente para o ruído uma frequência  bem próxima do previsto usando o modelo de ressonância de Helmholtz. Mas devido a incertezas na modelagem – como os próprios autores ressaltam – não podemos afirmar que o ruido ressonante é EXCLUSIVAMENTE devido ao fenômeno de ressonância de Helmholtz.

Na figura 4 (do artigo Numerical analysis and passive control of a car side window buffeting  noise based on Scale-Adaptive Simulation ) apresentamos no lado esquerdo a pressão em função da frequência  e no lado direito a  pressão em função do tempo sentida pelo motorista quando a janela traseira da direita está aberta.

Na figura 4, o gráfico  da direita representa o ruido periódico de baixa frequência que sentimos com a janela aberta (no caso da figura, uma única janela na parte traseira do carro). Note a formação de um ruido que aumenta e diminui com o tempo (na figura da direita) e com um pico próximo dos 20 Hz (figura da esquerda).

Na figura 5 , reproduzimos novamente o lado direito da figura 4 e  um recorte do lado direito da figura 1, para que possamos comparar o registro realizado pelo autor (no lado direito) e o resultado da simulação do artigo previamente citado.

Respondendo então a  pergunta inicial, é abertura de uma das janelas (em geral para carros com boa aerodinâmica e o vidro traseiro), causa o surgimento de uma ressonância de baixa frequência, e que percebemos como um desconforto auditivo (semelhante ao que algumas pessoas sentem dentro do avião durante a decolagem ou aterrissagem).

Independente das causas do ruido ressonante, a sua redução ou supressão é bem simples: fechar as janelas ou abrir todas as janelas. Ou diminuir a velocidade.

Notas

[1] Dependendo do modelo do carro,  pode ocorrer apenas com os vidros traseiros abertos e não com os vidros dianteiro abertos, e também pode ocorrer com carros equipados com teto solar.

[2] Uma descrição um pouco mais precisa é a formação de instabilidades na região de contato entre a camada de ar em movimento fora do carro com a camada de ar dentro do carro. Esta instabilidade forma quando a velocidade relativa entre estas camadas assume um certo valor critico. Nesta situação, são formados vórtices que se deslocam ao longo do fluxo. Estes vórtices ao atingirem uma parede, acabam se rompendo, gerando uma frente de pressão que se propaga dentro da cavidade. Ao atingir a entrada da cavidade (no caso a janela), novas vórtices são produzidos e o processo se repete. Quando a periodicidade atinge um certo valor (a frequência natural da cavidade), ocorre a ressonância, que é o ruido ressonante. Ver por exemplo An Experimental Investigation of Sunroof Buffeting Characteristics of a Sedan de Yin Zhi He, Zhi Gang Yang publicado em Applied Mechanics and Materials. Trans Tech Publications, Ltd., November 2012.

[3] Para quem desejar conhecer um pouco mais sobre ressonância de Helmholtz, a sugestão é ler The Sound of Udu, ou acessar as transparências da palestra do Professor Carlos Aguiar aqui , onde ele apresenta algumas atividades práticas para o estudo de acústica, incluindo a ressonância de Helmhotz.  Outro artigo é The Helmholtz resonator revisited de H. Dosch e M, Hauck publicado na European Journal of Physics.  Um artigo interessante também é Violão: aspectos acústicos, estruturais e históricos, M. E. Zaczeski et all, publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física.


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