Questão do vestibular da UFT sobre referencial acelerado (não inercial).
22 de junho, 2019 às 16:06 | Postado em Estática de Fluidos, Forças inerciais, Mecânica, Questões do ENEM, vestibulares, concursos
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Olá professor Fernando Lang da Silveira,
Uma questão de física do Vestibular da Universidade onde sou servidor técnico (UFT) versava sobre o comportamento de duas esferas (uma presa ao teto do recipiente e outra ao fundo) em um recipiente acelerado. A questão está abaixo.
Ora, esse comportamento é facilmente entendido a partir do estudo dos Referenciais Não Inerciais. De modo que fazendo o uso desse tipo de referencial, a situação poderia ser representada através da figura.
No entanto, a banca elaboradora apresentou como justificativa a seguinte explicação:
“Para a solução desta questão, a lei da Inércia não se aplica para a situação da esfera dentro da água, mas somente para a que se encontra no ar. Assim, como o fluido se “desloca” para a esquerda, devido o carrinho se movimentar para a direita, pode-se observar um maior “acúmulo” de água do lado esquerdo, desta forma, pela lei de Stevin sabe-se que quanto maior a coluna de líquido maior a pressão. Logo, como pressão é força sobre área, têm-se uma força maior da esquerda para direita do que a da direita para a esquerda, e portanto, a resultante destas forças será para a direita fazendo a bolinha de “baixo” ir para a direita.”
Daí surgiu a indagação de que por que motivo se diz que “a lei da inércia não se aplica a esfera dentro da água, mas se aplica a esfera presa ao teto”? Considerando a Terra um referencial inercial, não seria verdade que a Lei da Inércia seria válida para ambas as esferas nesse referencial?
Se esta situação é discutida no sistema de referência da Terra, considerando como um sistema de referência inercial, ambas as esferas estão aceleradas (pois movem-se juntamente com o carrinho), não podendo portanto ser aplicada a Lei da Inércia ou Primeira Lei de Newton para ambas.
Se esta situação é discutida no sistema de referência solidário ao carrinho, ambas as esferas estão em repouso em relação a tal sistema que é não inercial, é acelerado. Neste caso podemos aplicar a Lei da Inércia a ambas desde que se introduzam forças “fictícias” ou inerciais, que são exercidas sobre cada uma das esferas na direção da aceleração do carrinho em relação à Terra mas com sentido contrário a tal aceleração.
Outra forma de discutir esta situação no sistema de referência do carrinho é usando o Princípio da Equivalência (PE) – Um referencial acelerado e um campo gravitacional, que aponta na direção contrária à da aceleração, são equivalentes.
Neste caso como ambas as esferas estão em repouso em relação ao sistema de referência do carrinho (vale a Lei de Inércia para ambas portanto), sendo a aceleração da gravidade redefinida em relação aquela que vale no sistema de referência da Terra. A figura que o perguntante enviou representa tal possibilidade pois no sistema de referência do carrinho, em acordo com o PE, existe a aceleração da gravidade indicada como gR. Não somente o peso de cada esfera é redefinido neste sistema mas também o empuxo arquimediano que a esfera imersa no líquido e no ar (desprezado em face da densidade do ar ser muito menor do que a da esfera) está submetida, bem como a horizontal e a vertical no sistema de referência do carrinho (conforme são indicadas na figura que segue).
Portanto a justificativa da banca não está correta em qualquer sistema de referência.
Uma situação interessante e real, em que o empuxo do ar não pode ser desprezado, envolvendo o comportamento de um balão de hélio em um automóvel acelerado, consta da postagem Balão com comportamento inesperado! Nesta postagem o PE é utilizado e o comportamento do balão é semelhante ao da esfera submersa.
Vide também Período do pêndulo em um sistema de referência acelerado.
“Docendo discimus.” (Sêneca)