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O fio das lâminas de corte

Boa tarde Professor Lang, minha pergunta hoje é sobre as pessoas no cotidiano quando se referem às facas, dizerem que a faca perdeu o “fio” ou ficou “cega”. Do ponto de vista da física, a espessura da faca muda? Na minha concepção ela não muda de espessura, mas nessa caso então porque a faca a medida é utilizada vai piorando o corte. Obrigada

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Para que uma faca tenha fio ou gume a lâmina na região de corte deve ser mais estreita.  O processo de afiação das facas e de outras ferramentas de corte determina que o gume da ferramenta seja estreitado desgastando-o. A diferença entre uma faca afiada e uma faca “cega” está na espessura do seu gume.

A seção transversal das lâminas de corte pode ser diferente de acordo com o tipo de instrumento e a função que ele desempenha. A figura abaixo representa os seis tipos principais para a geometria da seção transversal das lâminas de corte utilizadas nos mais variados intrumentos.

tipos_lamina

O tipo 1 é usualmente utilizado em navalhas. Grande parte das facas de cozinha e mesa tem a geometria do tipo 2. As lâminas dos machados e facões são usualmente do tipo 6.

O processo de afiação das facas se constitui em desgastar a região da lâmina nas proximidades do gume, levando a longo prazo ao desgaste evidente da lâmina. Abaixo apresento fotos de duas de minhas facas, sendo que a inferior está notoriamente com a lâmina gasta pois a afio sempre que tenho que cortar carne, cebola, …

duas_facas

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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Comentários no Facebook em 21/09/2016

Rafael Bossoni – Para complementar, professor, indico esse excelente vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=-25OsfeZuLA

 Alexandre Medeiros   – Sem dúvida a ESPESSURA da LÂMINA de CORTE é IMPORTANTÍSSIMA; mas também a DUREZA da referida superfície de corte é determinante para uma faca ser considerada AFIADA. De nada adianta ter uma superfície bem aguda se o material for MOLE.

Desde o século XVIII se sabia da importância de adicionar CARBONO ao FERRO para produzir AÇO e também se sabia que a quantidade de carbono influenciava na DUREZA do AÇO e na retenção do FIO. Mas, QUANTO CARBONO se deve adicionar ao FERRO? Muitos pensam que QUANTO MAIS MELHOR e que o AÇO HIPER DURO nunca perde o CORTE, mas a realidade é bem mais complexa, pois aços muito duros quebram com mais facilidade por terem menor FLEXIBILIDADE. Outro problema do aço muito duro é na hora de se tentar REAFIAR a FACA.

Um ponto importante (dentre tantos outros) na produção do aço é a sua FORJA. A forja é o PROCESSO mediante o qual pelo uso adequado de CALOR e PRESSÃO pode-se modelar o aço conforme nossa conveniência. Importante também são os TRATAMENTOS TÉRMICOS (recozimento, normalização, tempera e revenimento). Dentre eles, o principal é a TEMPERA ou RESFRIAMENTO BRUSCO que consiste em um CHOQUE TÉRMICO CONTROLADO. Eis um interessante vídeo sobre este processo:  https://www.youtube.com/watch?v=qQ9eysoFjsk

Rafael Bossoni – Alexandre, dá uma olhada nesse vídeo, acho que podes gostar: https://www.youtube.com/watch?v=0Bfigd1xDXQ

Alexandre Medeiros –  A História da METALURGIA tem uma LIGAÇÃO DIRETA com o surgimento da MECÂNICA QUANTICA, pois o célebre PROBLEMA da RADIAÇÃO de CORPO NEGRO nasceu da METALURGIA e Planck trabalhava não apenas na Universidade de Berlim, mas também no Instituto de Pesos e Medidas alemão (o PTR “Physikalisch-Technische Reichsanstalt (Imperial Institute for Physics and Technology”) que se ocupava de problemas técnicos como o da melhoria do AÇO e do controle da sua DUREZA pela COR da LUZ emitida na fornalha.Alexandre Medeiros –  Fernando, amigo, esse assunto vai longe. 🙂

Rafael Bossoni –  Eu me aventuro a fabricar facas aqui em casa, mas faço coisas muitos simples, por causa da falta de ferramentas, mais pelo prazer de fazer do que qualquer outra coisa. Acho um assunto fascinante!

Alexandre Medeiros – Tão fascinante que sempre esteve envolto até em antigas e supostas práticas “mágicas”. Produzir um bom aço era um SEGREDO a ser guardado a sete chaves. No século XIX a importância do aço e da Metalurgia foi dinamizada pelas ferrovias e pela Guerra e levou ao seu estudo científico intensivo que conduziu à Mecânica Quântica no inicio do XX.

Mauricio Ferla da Silva – Vídeo que pode ajudar, bastante abrangente e aborta vários tipos de laminas…https://www.youtube.com/watch?v=T0PIeDAf8Pc

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Comentários no Facebook em 22/09/2017

Nestor Agostini – Uma pergunta sobre esse assunto: por que é tão difícil ou até quase impossível afiar uma faca de aço inox? Em geral as facas de aço inox se tornam inúteis após perder o “fio”.

Fernando Lang da Silveira – Aí vamos ter que perguntar a um especialista em metalurgia! ? Entretanto eu costumo afiar facas inox de lâmina fina e funciona.

Nestor Agostini – É uma questão interessante porque os agricultores, por ex, não gostam de usar facões ou qualquer utensílio cortante feito de aço inox porque dizem que depois que perde o fio não dá mais para afiar. Talvez porque o aço inox seja muito duro e difícil de ser afiado. Não sei. Eu no meu pequeno sítio só tenho esses utensílios em aço carbono, nunca em inox.

Fernando Lang da Silveira –  As facas nas fotos da postagem são inox e uma delas já está com a lâmina desgastada, quase com uma lâmina de navalha.

Fernando Lang da Silveira – Esta faca, quando afiada, acho que corta até aço! 🙂

Carlos Estivalet Gindri – Meus caros sou engenheiro mecânico e estou postando este comentário para contribuir. O nome genérico de aço inox (resistente a corrosão por oxigênio) corresponde a uma gama muito grande de aços cujos principais componentes são o cromo (12%)e o níquel bem variável. Conforme a composição dos elementos citados os aços inox dividem-se em duas grandes famílias – austeníticos e martensíticos (os constituintes da sua estrutura cristalina). Os aços austeníticos são da série dita 300 cujo componente mais conhecido é 304 que antigamente era chamado 18-8 (18%cromo e 8% níquel) são flexíveis e pouco duros.Os aços martensíticos série 400 (exemplo 410) são mais resistentes, duros e mais difíceis de conformar . Entretanto se prestam bem para uso em utensílios tipo facas. Acredito que aços série 400 (alto cromo) se prestem bem para re-afiar enquanto que os de série 300 não se prestam. A pegar uma faca tente dobrá-la no comprimento se for fácil provavelmente austenítico se for difícil provavelmente martensítico. Claro que é uma explicação muito resumida e incompleta que fiz de memória mas grosso mode é isto. Não pude fugir dos termos austeníticos e martensítico que são a como é feita a estrutura (ao microscópio) dos aços inox. E o carbono em quantidades muito pequenas (0,2-0,3%) costuma entrar na composição.

Nestor Agostini – Parabéns pelas suas explicações. Realmente faz sentido que deve haver mais de um tipo de aço inox e que alguns tipos sejam afiáveis e outros não.

Fernando Lang da Silveira –  Grato! Quem sabe, sabe!

Carlos Estivalet Gindri    Vejam que o aço inox é imune à corrosão feita pelo oxigênio (em inglês stainless steel isto é sem manchas), mas o aço inox pode e é atacado por SAIS haja visto facas de cozinha terem pequenas manchas devido ao sal (cloreto de sódio) usado na preparação de alimentos. Minha intenção foi enriquecer a conversa.

Edilson Cavalieri – Bom dia. Trabalho na metalurgia de aciaria do aço inox e gostaria de deixar uma contribuição. Geralmente em cutelaria é muito utilizado aços da série 304, que são mais caros devido ao melhor acabamento (brilho). Os aços da série 4XX ( sem níquel) também são utilizados porém possuem um brilho mais fosco. Para quem não consegue perceber a diferença pelo brilho, é só utilizar um pequeno imã. Aços da série 3xx, tal como o 304, NÃO são imantáveis devido a presença do níquel, o que não acontece com os aços 4xx. O curioso é que o níquel puro, eletrolítico, é imantável.

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Comentário no Facebook em 23/09/2017

Aparecido Dos Santos –  Só para acrescentar: para a cutelaria, uma faca para ser resistente e com fiação de corte perfeita, precisa ter de 0,6% a 2,15% de teor de carbono… Abaixo de 0,6 ela ficaria com uma flexibilidade maior (as espadas). Na composição de uma boa faca deve conter:

Molibdênio vanádio: com essa adição, temos a intenção de resistência contra ferrugem e a durabilidade do fio de corte.

O cobalto: é um dos melhores aços inoxidáveis em termo de durabilidade, resistência e performance.

Aço GIN-1: A denominação correta é Gingami-1, mas também é divulgado como Gin-2. É um aço japonês muito utilizado pela Spyderco e por outros cuteleiros da cidade de Seki, Japão. Seu conteúdo de 0,9% de carbono permite uma lâmina bastante dura e resistente ao desgaste. Durante o inicio da década de 90, quando predominou o 440C nas facas industriais, sua dureza chamava a atenção, pois era algo em torno de 58-60 Hrc. É um bom aço para trabalho intensivo e mantém um ótimo fio.

Sua composição química média é de 0,9% de carbono, 15,5% de cromo, 0,6% de manganês, 0,3% de molibdênio e 0,37% de silício. Dureza indicada é de 58-60 Hrc. aço inoxidável leve, com fio de corte duradouro. Também fabricados com os aços carbonos shirogami e aogami. Com a adição do carbono aumenta a duração do fio… O inox 420 é derivação inicial na fabricação de facas de aço inox ( de péssima qualidade no Brasil e excelentes na Inglaterra e países escandinavos) por ser facilmente maleável e timbravel é comumente falsificada com a gravação 440c que é a variação superior em aço inox.

Se você tem uma faca que se enquadre nessas especificações técnicas pode até conseguir fazer a manutenção do fio de corte mas dificilmente alcançará o resultado inicial de fio de corte de fabricação. Os cuteleiros usam uma fita de lixa, onde fazem a fiação com uma variedade de grãos abrasivos combinados com angulação uniforme dos dois lados da lâmina. Muitas vezes a fiação inicial é efetuada a laser… Para cada utilidade da faca existe uma angulação do fio de corte.

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2 comentários em “O fio das lâminas de corte

  1. Sobre a chaira (honing steel), que NÃO serve para afiar as facas:

    Sharpening and honing a knife aren’t the same thing. While sharpening actually creates a new beveled edge by removing material from the blade, honing realigns the edge of the blade so that all the teeth that make up that edge are all going in the right direction. By running your knife along the ridges of a honing steel, you’ll buff out those microscopic dents that can throw your blade out of alignment. Now when you see chefs on cooking shows honing their knives, you can at least know why they’re doing it (though how they can do it so fast is still beyond me).

    É o mesmo princípio utilizado por barbeiros com tiras de couro em navalhas.

  2. pablo disse:

    tudo bem? gostei muito do seu site, parabéns pelo conteúdo. 😉

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