Lentes Gravitacionais
22 de setembro, 2024 às 13:25 | Postado em Astronomia, Cosmologia, Relatividade
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/Lentes gravitacionais causam aberrações cromáticas, causando a translação da imagem em função do comprimento de onda da luz.
1) Conhecendo a distância até a lente gravitacional, é possível usar este efeito para calcular distâncias a distância até o ponto observado mediante o ângulo causado na translação? Essas medidas seriam teoricamente iguais às realizadas através do Redshift?
2) Seria possível usar o sol como uma lente gravitacional para estudo de aberrações cromáticas pra objetos não encobertos?
A chamada Lente Gravitacional tem origem no fenômeno da deflexão da luz [1] devido ao campo gravitacional de um corpo (a lente) com massa M. Esta deflexão da luz foi inicialmente prevista com a utilização da Gravitação Newtoniana, e foi calculado pela primeira vez por J. Soldner em 1801. Isto pode ser uma surpresa para algumas pessoas, pois é comum associar este fenômeno com a Teoria da Relatividade Geral desenvolvida por Albert Einstein em 1917. A primeira observação da deflexão da luz pelo Sol foi realizada durante um eclipse solar em Sobral, no interior do Ceará em 1919, e as observações confirmaram a existência da deflexão da luz pelo Sol e com um valor compatível com a previsão da Relatividade Geral, descartando o valor obtido com a utilização da Gravitação Newtoniana [2].
Utilizando o efeito da deflexão da luz é possível demonstrar que um objeto massivo funcione como uma lente gravitacional [3]. Isto ocorre porque a presença de um corpo massivo curva o espaço tempo ao seu redor, de forma que o caminho que a luz percorre sofre um desvio da linha reta, que seria esperado na ausência da massa. Na figura 2 apresentamos uma representação esquemática de uma Lente Gravitacional, sendo a fonte e a lente pontuais (figura não está em escala).
Uma lente gravitacional pode ser resultado da ação de qualquer objeto com massa, e o ângulo de deflexão (o ângulo α na figura 2) aumenta com a massa (α ∝ M1/2). E quanto mais próximo do objeto (a distância b na figura 2), maior o ângulo de deflexão. E a massa não precisa ser pontual, permitindo que galáxias e seus aglomerados possam atuar como uma lente gravitacional. As imagens formadas dependem da posição (incluindo as distâncias) da fonte, da distribuição de massa do objeto que atua como uma Lente Gravitacional. Na figura 3, apresentamos no lado esquerdo uma imagem em forma de anel quase completo (compare com a figura 1) e do lado direito quatro imagem de um mesmo objeto, formando uma cruz.
Este efeito não depende do comprimento de onda, de forma que uma lente gravitacional é acromática, que é diferente do caso de uma lente comum (digamos de vidro) na qual o ângulo de deflexão depende do comprimento de onda. Isto ocorre porque no caso do vidro (figura 4), o meio que é responsável pela deflexão é dispersivo, isto é o índice de refração (consequentemente o ângulo de deflexão) vai depender do comprimento de onda, logo as diferentes cores sofrem desvios diferentes. Mas no caso da lente gravitacional é a curvatura do espaço-tempo que causa a deflexão, e isto não depende do comprimento de onda da luz, que torna o processo acromático [4].
Devido ao fato da deflexão da luz não depender do seu comprimento de onda, podemos utilizar o espectro obtido para determinar a distância da fonte até o observador, usando a relação entre o chamado redshift cosmológico e a distância. As imagens produzidas por lentes gravitacionais nos permitem estudar a distribuição de massa (incluindo a matéria escura) de objetos que atuam como uma Lente Gravitacional, detectar objetos que possuem baixa luminosidade pois as Lentes Gravitacionais amplificam a luminosidade).
Efeitos de Lente Gravitacional com estrelas em nossa Galáxia dificilmente podem ser observadas – em particular nosso Sol não produz efeito de Lente Gravitacional que seja possível de ser detectado na Terra, de forma que o que podemos observar são os efeitos de Lente Gravitacional de objetos fora de nossa Galáxia. Este fato nos permite utilizar tais efeitos também como uma ferramenta de estudo em Cosmologia. Os efeitos de múltiplas Lentes Gravitacionais, flutuações no brilho de objetos distantes, observações de galáxias de baixa luminosidade, distribuição de matéria escura, e outros estudos podem ser realizados com a utilização da Lentes Gravitacionais [5] e estes resultados são excelentes testes observacionais na área de Cosmologia.
Sendo acromática, implica que no estudo de lentes gravitacionais (excluindo o efeito do meio na qual a luz está propagando) podemos sempre utilizar a ótica geométrica? Isto é, desconsiderar as propriedades ondulatórias da luz? A rigor não podemos. Consideremos dois feixes de luz emitidos de regiões muito próximas da fonte. Este feixe sofre a ação de uma lente gravitacional, sendo posteriormente detectada. Dependendo da situação, estes dois feixes são coerentes, de forma que ao serem observados, a princípio é esperado a presença de difração, que é um efeito devido a característica ondulatória da luz. No entanto as condições necessárias para que estes efeitos sejam observados são muito restritivos, de forma que na prática a aproximação de ótica geométrica no estudo de lentes gravitacionais é perfeitamente adequada, pois com os equipamentos existentes estes efeitos difrativos não são atualmente possíveis de serem detectados.
Notas
[1] A deflexão ocorre para todos os comprimentos de onda, mas é comum utilizar o termo luz no sentido mais genérico de ondas eletromagnéticas, e neste texto vamos seguir este padrão.
[2] Em relação ao valor previsto pela Gravitação Newtoniana é α=0,87 segundos de arco, que é a metade do valor previsto pela Relatividade Geral. Uma informação interessante é que Einstein em 1911 (portanto antes da elaboração da Relatividade Geral), apresentou uma estimativa para a delflexão da luz semelhante ao obtido com a Gravitação Newtoniana. Sobre a expedição em Sobral, ver por exemplo Do Eclipse Solar de 1919 ao Espetáculo das Lentes Gravitacionais de JAS Lima e RC Santos.
[3] No livro Gravitational Lenses (1992), P Schneider, J. Ehlers, E.E. Falco, os autores citam que a primeira utilização do termo “lente gravitacional” foi devido a O. Lodge em 1919, mas no sentido negativo, isto é de que não existiriam as lentes gravitacionais. Ressaltamos que não devemos simplesmente utilizar os conceitos de uma lente ótica para uma lente gravitacional, uma diferença importante sendo que na lente gravitacional, não existe um ponto focal, que é um dos argumentos utilizado por Lodge “it is not permissible to say that the solar gravitational field acts like a lens, for it has no focal lenght” (o artigo pode ser acessado aqui). Na Lente Gravitacional ao invés de um ponto focal, possuímos uma linha focal.
[4] Isto implica que eventuais efeitos dispersivos que venham a ocorrer estejam relacionados com o meio pela qual a luz percorre até atingir o observador, não sendo devido ao fenômeno da Lente Gravitacional. No caso de fontes extensas como as galáxias, as diferentes regiões podem possuir espectros de emissão distintos, e devido ao fato de ser extenso, estas diferentes partes sofrem desvios distintos pela Lente Gravitacional, mas esta diferença é devido a diferença nos ângulos de incidência (por exemplo os ângulo θ na figura 2) e não devido ao comprimento de onda da radiação.