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Gravidade e percepção de para cima e para baixo

Uma pergunta de noob: se o que define a parte de cima e de baixo ( e consequentemente os lados) naturalmente é a percepção que temos da influência da gravidade, como entendemos o desdobramento do espaço onde não há essa relação?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

De fato o nosso senso interno de “para cima e para baixo” depende da gravidade por nós percebida, isto é, da aceleração de queda livre no sistema de referência de nosso próprio corpo, mais especificamente da estrutura de nosso corpo responsável pelo equilíbrio, principalmente do aparelho vestibular no ouvido interno.

Em gravidade zero ou microgravidade (como acontece por exemplo na Estação Espacial Internacional ou em laboratórios de microgravidade), não apenas nossa percepção de “para cima e para baixo” falha, como não tem mais sentido os conceitos de horizontal e vertical. Aliás é bom notar que vertical e horizontal não são conceitos estritamente geométricos mas conceitos físicos que se referem à gravidade. Operacionalmente a vertical é, por exemplo, a direção do fio de prumo e em microgravidade o fio de prumo não mais opera.

Sempre noto para os meus alunos da Física e da Engenharia que quando na aula de Matemática (Cálculo, Geometria, …) o professor desenha no quadro dois eixos ortogonais e diz que um é horizontal e o outro é vertical, ele mudou de profissão, passou de matemático para físico!  🙂  O mais estranho é que tal está dito muitas vezes quando os dois eixos estão localizados na página de um livro de Matemática deitado sobre a mesa e, portanto, os dois eixos são de fato horizontais! 🙂

Mesmo em microgravidade o senso externo de espaço tridimensional continua a existir conforme atestam os tripulantes da Estação Espacial Internacional.

Sobre temas relacionados com esta postagem vide:

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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Comentários no Facebook em 19/01/2017

Prof. Zé Antônio Bocchi – Não é só nosso aparelho vestibular q indica ao cérebro a verticalidade…..Resumir isso apenas ao nosso sistema vestibular simplifica todo um sistema nervoso que reconhece tensões e tonos musculares…..Mesmo q nosso sistema vestibular não funcionasse, teríamos condições de saber para onde a gravidade “aponta”…

Prof. Emmanuel Marcel Favre-Nicolin  – O assunto é muito interessante! Se os OTÓLITOS podem medir uma inclinação estática em relação com a gravidade em geral, a PERCEPÇÃO da VERTICAL é um bom exemplo do caráter MULTISSENSORIAL da PERCEPÇÃO. Ela envolve vários sentidos como o SISTEMA VESTIBULAR constituído pelos canais semicirculares e os otólitos, a VISÃO, a fazem parte, até o próprio TATO e a PROPRIOCEPÇÃO MUSCULAR (ângulos, comprimento e força) e o(s) GRAVICEPTORE(S) no abdômen. O caráter multissensorial da percepção da vertical foi testada através de experimentos astutos colocando sensores em conflitos ou ao retirar de maneira astuta referencia de alguns sentidos. Com os olhos fechados conseguimos mostrar a vertical terrestre com grande precisão porém se existem INFORMAÇÕES VISUAIS que entrem em CONFLITO com o sinal dos otólitos erramos em mostrar a vertical. Se estamos em um quarto iluminado e inclinado, erramos devido a vertical sugerida pelos elementos visuais (supostamente verticais). A visão de fato participe na percepção da vertical terrestre. Nesse caso no qual há conflito, as informações dos otólitos é um pouco negligenciada. Esse efeito pode ser evidenciando em um experimento feita também num quarto escuro com uma barra iluminada e inclinada em relação com a vertical. Para inclinações pequenas, a vertical percebida se encontra entre a vertical gravitacional e a direção da barra (Efeito Aubert). (O efeito Aubert aparece na literatura em português como um outro fenômeno que consiste a perturbação da percepção da vertical quando o corpo de uma pessoa é inclinado). No entanto para ângulos maiores de inclinação da barra luminosa, ocorre um efeito mais surpreendente, a vertical percebida é mais inclinada que a barra (efeito Müller). Isso mostre claramente que a vertical é um COMPROMISSO SENSORIAL que envolve uma “vertical visual”. Em MICROGRAVIDADE, o sistema vestibular pode medir as acelerações mas não há mais a referência definida pela gravidade e o cérebro deve reinterpretar os dados desses sensores com as informações de outros sentidos. No primeiro dia de um astronauta em MICROGRAVIDADE, foi observado que a vertical percebida sem referência visual é muito inclinada para frente, um efeito relacionado com a propriocepção muscular. Nesse experimento, os sapatos foram fixados numa plataforma e foi considerada a vertical como a perpendicular a plataforma. Uma caixa é usada para tampar a visão e assim que a caixa é removida, o astronauta retorna a posição vertical. Uma interpretação disso consiste em dizer que ocorre uma recalibração da PROPRIOCEPÇÃO e alguns dias depois, a pessoa consegue se manter na vertical sem precisar mais da visão!
Na terra observar um objeto em rotação na nossa frente enquanto em posição vertical induz uma rotação da vertical subjetiva no sentido oposto a rotação do objeto. Se fizermos o mesmo experimento deitado, o corpo parece estar girando. Em microgravidade parece que acontece o mesmo fenômeno pois não há referencia de gravidade.
Foi também mostrado que existe outros sentidos envolvido na postura vertical no abdômen e na pele. O efeito dos mecanorreceptores da pele detectam assimetrias e pode provocar reflexo de animais deitados de lado a se levantar. É possível também pode induzir sensações de rotações com o tato… Existem vários experimentos, como o experimento de Lakner que testa a vertical em uma rotação do corpo num eixo perpendicular a gravidade. Ele observou entre outras coisas que no escuro e nessa situação experimental, com uma simples pressão nos pés o sujeito tem a impressão de ir para uma posição vertical e de girar em uma posição vertical, mostrando que os dados do TATO podem prevalecer sobre o sistema vestibular! Não posso deixar de mencionar que os sensores de movimentos também assinalam a imobilidade! Eles têm uma descarga de base que na ausência de modificação é associada a imobilidade, algo importante para a vertical subjetiva relacionado com o princípio da equivalência (equivalência entre campo gravitacional e um referencial acelerado).
Cf Alain Berthoz, le sens du mouvement (1997) p111-7. O livro tem também tradução em inglês : the brain sense of movement.

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