Gedankenexperiment: Pressão na caixa que é conectada à atmosfera de grande altitude
1 de março, 2018 às 21:33 | Postado em Atmosfera, Estática de Fluidos, Filosofia da Ciência, História da Ciência
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Olá
Tenho um experimento imaginário:
Imaginemos que uma caixa na superfície da Terra seja preenchida com ar atmosférico por um orifício. Agora trancamos esse orifício e colocamos uma mangueira finíssima de 1 km de comprimento acoplada no local deste orifício e esticamos essa mangueira até a altura de 1 km (saiba que a mangueira possui seus orifícios fechados neste momento). Após este procedimento, abrimos os orifícios . Desta maneira o ar contido nesta caixa não deveria se expandir para se igualar à pressão de 1 km de altura?
Experimentos imaginários (Gedankenexperiments) tem papéis importantes no esclarecimento e, principalmente na crítica (segundo o eminente filósofo da ciência Karl Popper), das ideias científicas. Vide A argumentação crítica nos textos de Galileu e Einstein.
Eu vou estabelecer algumas condições adicionais no experimento imaginário para depois dar uma solução. Admitamos que a mangueira é fina mas não o suficiente para que efeitos de capilaridade sejam relevantes e que a mangueira está cheia de ar na mesma pressão do ar na caixa (1 atm) enquanto se encontra no nível da caixa. Depois lentamente elevamos a mangueira até que a sua extremidade superior (ainda fechada) atinja a altitude 1 km de altura.
Quando a parte superior atingir a altitude de 1 km, na parte inferior da mangueira fechada ocorre uma pressão MAIOR do que 1 atm, enquanto que no topo já é menor do 1 atm. Tal decorre da Lei de Stevin consequente de que o ar é denso (cerca 1,2 kg/m3 nas CNTP) e está submetido ao campo gravitacional da Terra. Ou seja, o simples reposicionamento vertical da mangueira determina que a pressão mude ao longo de toda mangueira. Pelo lado de fora da mangueira também há mudanças de pressão e densidade do ar, conforme representado no gráfico da figura 1, devido ao campo gravitacional ao longo da coluna de ar.
Ou seja, pelo lado de fora a pressão se reduz em cerca de 0,1 atm e pelo lado de dentro a redução, devido à existência de campo gravitacional é semelhante (não é exatamente a mesma pois há uma massa de ar um pouco maior dentro da mangueira que em igual volume ao longo da coluna externa).
Quando os orifícios de comunicação forem abertos embaixo e no topo da mangueira haverá um processo transiente ao fim do qual não existem mais diferenças de pressão através dos orifícios. Ou seja, atingido o equilíbrio o ar dentro e fora da mangueira apresentará as mesmas variações de pressão e densidade com a altura (posição no campo gravitacional da Terra). Nota que de fato escapa ar da mangueira mas apenas o suficiente (uma quantidade pequena da massa contida originalmente dentro deste sistema caixa-mangueira) para que através dos orifícios não existam diferenças de pressão e o sistema todo atinja o equilíbrio.
O teu raciocínio certamente desconsiderou que um fluido em campo gravitacional está sujeito a pressões diferentes em diferentes altitudes (Lei de Stevin).
Este experimento mental pode ser generalizado para uma mangueira que vá até as camadas superiores da atmosfera onde a pressão é virtualmente nula. O relevante é que aqui embaixo dentro da caixa a pressão se manterá em 1 atm graças a coluna de ar até lá no alto. Indico especialmente a leitura da postagem seguinte: Perda da atmosfera: por que o ar não escapa do planeta?
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