Gasto de energia de um carro
26 de janeiro, 2024 às 13:40 | Postado em Mecânica, Termologia, termodinâmica
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/Em um concurso realizado pela Shell em 2023 o vencedor (Drop Team, representando o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Erechim) teve um consumo de 716 km por litro de combustível. Será que um carro urbano em condições normais conseguiria este consumo?
Esta é uma questão bem interessante, principalmente no momento em que as discussões sobre a necessidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis é uma urgência.
Para colocar um carro em movimento a partir do repouso, consumimos certa quantidade de energia, que é obtida do combustível utilizado. Esta energia é utilizada para produzir o movimento do carro. Na hipótese irreal de perdas nulas de energia, uma vez colocado em movimento, o carro manteria seu estado de movimento indefinidamente. Isto é, poderíamos desligar o motor e o carro ficaria eternamente em movimento. Neste caso, o consumo seria apenas o necessário para colocar o carro em movimento. Uma estimativa do consumo nesta situação completamente irreal é interessante para podermos ter uma noção aproximada dos gastos de energia que ocorrem em um carro.
Inicialmente precisamos saber quanto de energia temos disponível em um litro de gasolina. Um litro de gasolina contém cerca de 9000 Wh (9kWh) ou no sistema internacional de unidades, cerca de 32 milhões de joules por litro (32MJ/L). Como uma primeira estimativa, vamos considerar um carro com massa de 1400 kg (considerando o carro e seus passageiros), e determinar quanto de energia necessitamos para fazer o carro deslocar com velocidade de 100 km/h a partir do repouso. Como todo “bom” exercício de física, vamos inicialmente desconsiderar as forças dissipativas (depois vamos incluir, não fique preocupado); neste caso basta determinar a energia cinética do carro, que é dada pela equação ½mv2 e obtemos o valor cerca de 540 mil joules (540 kJ), que é cerca de de 2% da energia contida em um litro de gasolina. Assim, na ausência de qualquer processo dissipativo, com cerca de 20 mL de gasolina, poderíamos fazer um carro andar com velocidade de 100 km/h por um tempo indeterminado (já que não teria dissipação). No entanto, existem sempre processos que consomem a energia inicial de forma que para manter o movimento, precisamos fornecer sempre certa quantidade de energia, o que torna a questão do consumo um problema bastante complexo.
Mas quais processos consomem a energia fornecida pelo combustível, e portanto influenciam no consumo? Para tentarmos reduzir o consumo, precisamos inicialmente determinar estes processos. Existem diferentes fatores que influenciam no consumo de combustível em um carro que podem ser separados em diferentes grupos (ver A review of vehicle fuel consumption models to evaluate eco-driving and eco-routing para detalhes de cada item):
- Relacionado com o veículo, exemplo o motor.
- Relacionado com a viagem , exemplo distância da viagem.
- Relacionado com a estrada , exemplo o piso da estrada, a inclinação.
- Relacionado com o clima, exemplo a temperatura, o vento.
- Relacionado com o tráfego, exemplo a variação no movimento devido aos sinais de trânsito.
- Relacionado com o motorista, exemplo comportamento do motorista.
A energia fornecida pelo combustível é utilizada para movimentar o motor, e este movimento é transferido para as rodas, fazendo que o carro se desloque. Mas nem toda energia fornecida pelo combustível pode ser utilizada para movimentar o carro. Boa parte da energia é perdida devido aos diversos processos dissipativos existentes.
Mas antes de considerar perdas por processos dissipativos, podemos desde o início verificar quanto da energia inicial pode ser utilizado para realizar algum trabalho útil. E isto é possível determinar com o uso da termodinâmica. Um limite superior pode ser determinado considerando o que conhecemos como ciclo de Carnot. Este ciclo é uma construção idealizada, e por esta razão nenhuma máquina real pode ter uma eficiência maior que uma máquina ideal de Carnot. A eficiência de uma máquina operando em um ciclo de Carnot, depende apenas das temperaturas máximas e mínimas que a máquina trabalha. Mas um motor de combustão interna, não opera em ciclo de Carnot, sendo melhor descrito pelo ciclo de Otto (para uma descrição do ciclo Otto, ver por exemplo Máquinas térmicas à combustão interna de Otto e de Diesel ). Neste caso, a eficiência vai depender basicamente da taxa de compressão do motor (mantendo o mesmo combustível). No caso ideal, o rendimento de um motor trabalhando no ciclo Otto é cerca de 50%, isto é, metade da energia fornecida é utilizada para gerar o movimento. Para motores reais, o valor é menor, e se considerarmos todas as perdas devido ao atrito, qualidade do combustível, gastos para injetar o combustível, e outros fatores, a energia disponível para movimentar o carro é cerca de 30% da energia inicial contida no combustível (Isto é perdemos quase 70% da energia inicial!). Representando a energia inicial por E0 , então teremos 0,30E0 de energia disponível para deslocar o automóvel. Isto significa que da energia inicial de 32MJ por litro, temos a disposição menos de 10 MJ por litro. Ou ainda do volume inicial de 1 litro, temos a disposição cerca de 300mL que pode ser utilizado para gerar o movimento do carro.
Uma vez colocado em movimento, o motor precisa ser mantido em funcionamento, em especial para vencer o atrito com o solo (atrito de rolamento) e a resistência do ar. Este dois termos contribuem de maneira significativa para o consumo de energia. O primeiro termo sendo dominante para baixas velocidades e o segundo termo em altas velocidades. No artigo Potência de tração de um veículo automotor que se movimenta com velocidade constante, é realizado uma estimativa para uma situação em particular , sendo obtido que para a velocidade de transição de um regime a outro, obtendo um valor de 60 km/h. Acima desta velocidade o termo de resistência do ar passa a ser mais importante e abaixo desta velocidade, o termo de atrito de rolamento passa a ser mais importante (no modelo analisado no artigo). Neste caso, para reduzir o consumo, o melhor é deslocar com velocidades menores. Estando em movimento, também consumimos uma parte de energia para frear o carro. Estas perdas (resistência do vento, atrito de rolamento e frenagem), podem consumir de cerca de 15% a 25% da energia.
Por fim, devemos lembrar que situações dentro de áreas urbanas, o consumo aumenta muito por que estamos constantemente andando e parando. No caso de áreas urbanas, o consumo aumenta muito devido ao tempo que o carro fica parado no trânsito. Nos carros modernos, ficar com o motor ligado por mais de cerca de 30 segundos, consome mais do que dar novamente a partida. Neste processo de ficar parado no trânsito com o motor ligado, pode se gastar cercar de 3% da energia total.
Se somarmos todos os percentuais, não completamos 100%, pois existem outros consumos que não consideramos (que são devido a utilização de controle eletrônico, ar-condicionado, iluminação, estilo de condução e outros fatores; para detalhes sobre estes consumos, ver Where the Energy Goes: Gasoline Vehicles ). Mas o interessante é que o consumo maior ocorre devido ao atrito de rolamento e a resistência do ar.
Em relação à pergunta inicial – um carro normal poderia atingir a marca de 716 km por litro – para fornecer uma resposta mais precisa, teríamos que analisar cada processo dissipativo com detalhes. Mas, podemos fornecer uma resposta qualitativa, comparando algumas informações, em especial a massa. Por exemplo, na categoria Protótipo Combustão Interna a massa do veículo não pode exceder 140 kg (categoria na qual o consumo foi de 716 km por litro), e na categoria de Carro Conceito Urbano a massa não pode exceder 225 kg (de acordo com as regras de 2023 ), em ambos os casos sem considerar o piloto (que também tem um limite inferior de massa). Desta forma, se consideramos que no Brasil o carro com menor massa tem cerca de 800 kg, fica claro que atingir o mesmo consumo não seria possível, mesmo mantendo as outras variáveis constantes. Para um carro normal, além da massa maior a seção reta em um plano perpendicular à direção do movimento deve ser maior de forma que a resistência do ar deve se tornar mais importante; além disso na Shell Marathon, a velocidade mínima é 20 km/h , que é muito inferior às velocidade em áreas urbanas e muito menor do que nas estradas, além de outras modificações no carro protótipo, de forma que no final o consumo deve aumentar de maneira significativa. Mas mesmo assim, este tipo de competição pode trazer desenvolvimentos para a redução do consumo nos carros normais. O ideal seria consumo e poluição menores, ou mudar o tipo de motor utilizado.
A análise nos permite verificar vários aspectos. A densidade de energia (Joules/Kg ou Joules/Litro) em 1 litro de gasolina é algo fantástico. Ainda não encontramos uma fonte de energia melhor e mais simples de ser utilizada (queima).
Por outro lado sabe-se que os motores a combustão dificilmente alcançam rendimento melhor do que 37%, o que está também demonstrado nesta resposta comentada do professor. Afora isso as perdas por rolamento e arrasto aerodinâmico também estão contempladas na análise. Creio que todos já verificaram como aumenta o consumo de um carro quando andamos em velocidades maiores.
Restaria uma comparação entre carros com propulsão elétrica e com motores a gasolina.
Mas este é outro tema. Não poderia estar analisado mesmo nesta resposta.
O rendimento de um motor elétrico alcança pelo menos 95%, porém a fonte de energia (baterias) são extremamente pesadas e com capacidade de armazenamento de energia limitada. Sem falar nos danos ao ambiente para extrair os materiais que a compõe e no seu descarte. Então quando se fala em energias limpas, o tema fica controverso.
Sugiro um artigo no Cref que abordasse a comparação de custos entre o uso de um carro elétrico e de um carro a combustão.
Comparando custos de carga para uso de um carro elétrico
Boa tarde.
Gosto destas avaliações relacionadas com eficiência de motores de combustão.
Há muitos anos fiz uma tabela onde eu comparava motos que eu usei com carros que também tive, sendo que eu conhecia seus consumos de gasolina em diferentes situações de uso.
Acho que, para os dias de hoje, se poderia fazer algo parecido com a tabela que fiz, principalmente por ser mais simples de compreensão à pessoa leiga.
Fica a sugestão.
Tenho escaneada tal tabela, feita à mão, e está em um arquivo JPG; qual seria seu e-mail ou WhatsApp, para eu lhe enviar?
Abraço e sucesso aí para todos.