Efeito do aquecimento da tampa do pote de conserva

31 de maio, 2020 às 21:10 | Postado em Gás e vapor, Termologia, termodinâmica

Professor Lang, aquecer a tampa do pote de azeitona realmente funciona para facilitar abrir? Se não, por que?

Os potes de conservas e compotas em geral são fechados em temperaturas mais altas do que a temperatura ambiente.

Ainda criança, observando minha avó na feitura de conservas e compotas, aprendi que o fechamento dos potes tipo Weck era feito com eles em banho-maria em água fervente. O fechamento hermético se dava graças a um anel de borracha, complementado por uma presilha metálica que pressionava a tampa sobre o anel de vedação conforme se observa na Figura 1.

Os potes de vidro de azeitonas atuais (ou de conservas e compotas) possuem uma tampa rosqueada, que graças a um anel de material plástico colado na parte interna é pressionado contra o vidro, vedando hermeticamente o pote.

A física relativa a este processo de fechamento dos potes com o conteúdo aquecido envolve o conceito de pressão de vapor saturado. Ou seja, antes do fechamento o pequeno volume residual de ar sobre o líquido da compota ou conserva fica saturado de vapor de água em temperatura bem acima da temperatura ambiente. Ou seja, lá dentro o ar residual está saturado de vapor de água.

Logo após o fechamento hermético do pote a pressão interna é a pressão atmosférica. Entretanto o que existe lá dentro é ar saturado de vapor e portanto parte desta pressão (a pressão parcial de vapor) é devida ao vapor de água. Como a pressão de vapor saturado da água diminui rapidamente com o abaixamento da temperatura (este decréscimo da pressão é muito maior do que aconteceria se fosse ar sem vapor de água), havendo liquefação do vapor, a pressão total dentro do recipiente hermético acaba por ser menor do que a pressão atmosférica quando o pote resfria até a temperatura ambiente. Desta forma o pote apresenta internamente uma pressão manométrica negativa (vide Pressão negativa e vácuo são a mesma coisa?).

A Figura 2 apresenta os resultados de um experimento com um pote de conserva que foi fechado hermeticamente quando a água no seu interior estava a 93°C. Propositalmente o conteúdo do pote apresentava grande parte do seu volume sem líquido; como se observa na foto da esquerda havia 396 mL de ar e vapor de água no recipiente quando foi lacrado. Depois, quando a temperatura já havia arrefecido para 27°C,  o pote foi submerso em água e com auxílio de uma chave de fenda forçando a tampa, a pressão interna foi equalizada com a pressão externa de 1 atm pela aspiração de mais água para dentro do pote. Conforme se observa na foto da direita, o volume gasoso interno ao pote se reduziu a apenas 84 mL. A razão entre estes dois volumes (84/396≅0,2) é igual à razão entre a pressão interna a 27°C antes e depois da água entrar no pote. Portanto a pressão interna ao pote lacrado era cerca de 0,2 atm ou, dito de outra forma, o interior do pote lacrado estava na pressão manométrica de -0,8 atm.

Aquecer a tampa do pote lacrado tem como efeito aumentar um pouco a pressão interna para que a tampa possa ser desrosqueada mais facilmente. Entretanto este efeito é pequeno e o mais prático para a abertura de potes é aquele descrito acima: uma chave de fenda (ou até com um cabo de colher) inserida entre o vidro e a tampa é forçada de modo a deformar levemente a tampa, permitido a entrada de ar no pote, equalizando a pressão interna com a externa e assim facilitando o desrosqueamento da tampa. Nos potes Weck a borracha vermelha (vide Figura 1) podia ser puxada para fora, permitindo que ar penetrasse no vidro e então facilmente a tampa ser afastada.

“Docendo discimus.” (Sêneca)