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Dúvida sobre o Ford Modelo T: por que “ford bigode”?

Caro Prof. Lang

Apesar de leigo acompanho as postagens que o senhor faz no Facebook. Parabéns pelo trabalho de divulgação científica!

Vi no seu perfil uma foto de seus familiares antepassados ao lado de um Ford Modelo T e por isso lhe encaminho esta questão. O senhor sabe por qual razão o Ford Modelo T foi denominado “ford bigode” e quando surgiu este nome?

Agradeço antecipadamente sua resposta.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

O meu avô, Germano Lang Fillho, sentado na direção do flamante Ford Modelo T (Figura 1, foto digitalizada por Luiz Foernges) por volta de 1920 em Tramandaí (litoral do RS, local de veraneio) foi quem me ensinou os rudimentos de mecânica de automóveis e que, por volta de 1960, quando um dia encontramos um velho Ford T ainda trafegando, me explicou a razão de este modelo de automóvel ter sido apelidado de “ford bigode”.

O apelido “ford bigode” do Ford Modelo T (fabricado entre 1908 e 1927) deve-se ao fato que o controle do acelerador, bem como o do avanço do disparo da centelha elétrica de ignição, era feito por duas barras presas à coluna do eixo de direção, atrás do volante de direção conforme indicado na Figura 2, lembrando um bigode. Esta explicação foi-me dada pelo meu avô e está corroborada no verbete da Wikipedia em português Ford Modelo T.

No assoalho do “ford bigode” havia três pedais que comandavam as duas marchas para frente, a marcha ré e o freio.

Ainda, segundo o meu avô, a expressão “uni os bigodes” designava que o piloto havia exigido a máxima potência do motor do “ford bigode”, os seus poderosos 20 cavalos-vapor, empurrando até o fim as duas alavancas que então se encostavam.

Finalmente uma pequena história que caracteriza os ganhos e as perdas da introdução do automóvel nas viagens ao litoral do RS:

Os habitantes de São Leopoldo – RS (cidade onde os Lang residiam), bem como de outras cidades de colonização alemã no Vale do Rio do Sinos, se deslocavam para o litoral já no final do século XIX. O meu tataravô Gotlieb Lang (que aparece sentado na foto da Figura 1) ia, juntamente com amigos, a cavalo até Tramandaí. Posteriormente ele e os amigos passaram a levar as famílias em carretas de boi, em uma viagem de diversos dias para cumprir trajeto de cerca de 120km. Os viajantes eram recebidos em algumas fazendas ao longo do percurso pelos fazendeiros amigos do meu tataravô e o veraneio já se iniciava com a viagem.

Quando pela primeira vez meu avô Germano levou o seu avô Gotlieb à Tramandaí no “ford bigode”, cumpriram o trajeto em menos de doze horas. Ao se aproximarem de Tramandaí o velho Gotlieb fez questão de trocar de roupa, colocando terno e gravata, pois a chegada na praia era recepcionada por veranistas que lá estavam.

Meu avô perguntou ao Gotlieb se tinha gostado da viagem e o velho respondeu positivamente, embora com  um certo ar de insatisfação. Meu avô lhe perguntou então a razão de ele não estar totalmente satisfeito. Gotlieb lhe respondeu: não pude encontrar meus amigos.

Ou seja, a viagem de automóvel encerrou a possibilidade de confraternização com os amigos ao longo do trajeto.

“Docendo discimus.” (Sêneca)


6 comentários em “Dúvida sobre o Ford Modelo T: por que “ford bigode”?

  1. Carlos Klachquin disse:

    Que relato bonito. Acrescento que na minha infancia na Argentina, ouvi a mesma explicação da origem do nome “Ford a bigode” de um mecânico talentoso, já velho na época.

  2. Mauricio Azanha disse:

    Olha professor Fernando Lang da Silveira

    O Uruguaio Eduardo Galeano tem um livro de crônicas diárias, mas de épocas distintas. Essa é de 11 de janeiro.

    11 de janeiro O prazer de ir

    Em 1887, nasceu, em Salta, o homem que foi Salta: Juan Carlos Dávalos, fundador de uma dinastia de músicos e poetas.
    Pelo que dizem os dizeres, ele foi o primeiro tripulante de um Ford T, o Ford Bigode, naquelas comarcas do Norte argentino.
    Pelos caminhos afora, lá vinha seu Ford T, roncando e esfumaçando. Vinha lento. As tartarugas paravam e se sentavam para esperar por ele.
    Um vizinho se aproximou. Preocupado, cumprimentou, comentou:
    – Mas, dom Dávalos… Desse jeito, o senhor não vai chegar nunca…
    E ele explicou:
    – Eu não viajo para chegar. Viajo para ir.

    Eduardo Galeano – Os Filhos dos Dias

  3. Pedro Carraro disse:

    Muito interessante o relato. Tanto do “bigode”, que eu desconhecia, como a mudança que a tecnologia nos trás, nem sempre de todo positiva. De certa forma lembra o filme “Carros”. A construção da auto-estrada relegou a pequena cidade ao ostracismo, já que não necessária a parada nela para os vários abastecimentos.

  4. Eduardo disse:

    Conversei muito com um colecionador de Fordinho ele tinha 24 exemplares e ele me contou uma história totalmente diferente da que todos contam..
    Se vc se abaixar de frente do carro e olhar o eixo rígido dianteiro verá que existe um brasão do fabricante do eixo que é perfeitamente um bigode e essa versão é mais convincente,uma vez que as alavancas no eixo da direção apenas sugerem a imaginação a comparar com um bigode.ja a logomarca estampada no eixo não há o que contestar

    • Fernando Lang disse:

      De fato existem outras interpretações para o apelido de “ford bigode”. A que aqui relatei era de uma pessoa que efetivamente dirigiu um deles nos anos 10 e 20 e também consistente com o verbete da Wikipedia. Vale notar também a expressão “uni os bigodes” (discutida na postagem), completamente sem significado em qualquer outra interpretação.

  5. Marion Becker Rodrigues disse:

    Fantástica e encantadora história, como moradora de Tramandaí me deixo envolver por aqueles que aqui vieram , buscar nas águas do mar , seu remédio , a cura para todos os males . Obrigada Fernando Lang

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