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Duração do processo de fotoionização

A fotoionização é um processo que demora quanto tempo?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

Todo estudante de física é apresentado na disciplina de física moderna, com o chamado efeito fotoelétrico ( fotoionização), que é o processo que ocorre quando incidimos uma radiação em um metal e ocorre a emissão de um elétron. O limite do início da emissão, dependendo da frequência da radiação e não da sua intensidade. Para explicar este fenômeno, Albert Einstein introduziu o conceito de quantum de luz, que hoje denominamos como fóton [1].  Um simulador bem interessante é o disponível no site do PHET.  Vale a pena utilizar o simulador, como complementação ao estudo do tema (principalmente nos locais sem um laboratório adequado de física, que infelizmente, é a norma nos cursos de física no Brasil. Nas disciplinas de física moderna, no processo de fotoionização , não consideramos o intervalo de tempo entre a recepção da radiação  e a emissão do elétron. Isto é explicado porque todo processo envolve mais de uma partícula, o que torna a sua abordagem muito além do que abordamos nos cursos de física moderna.  Por ser um processo de muitos corpos, quando a radiação incide no elétron a ser retirado do átomo, a interação deste elétron com os outros elétrons do átomo deve causar um atraso entre a recepção da radiação e a liberação do elétron pelo átomo. No entanto este tempo deve ser muito pequeno, difícil de ser medido experimentalmente, de forma que nos livros textos este tempo é completamente negligenciado de forma geral.

Mas com o desenvolvimento das técnicas de medidas em atosegundos (10−18s) (que rendeu o Nobel de Física de 2023 [2]) a situação passa a ser possível de ser testada experimentalmente. Em um artigo de 2010 Shultze e colaboradores ,  determinam uma diferença de tempo na fotoemissão  de elétrons liberados do orbtal 2p em relação aos elétrons liberados do orbital 2s dos átomos de neon [3]. Neste trabalho, eles reportam uma diferença de 21±5  atosegundos, entre a emissão dos elétrons do orbital 2s em relação ao orbital 2p. Um tempo extremamente curto!

Mas esta diferença no tempo não é compatível com os modelos teóricos. O processo de fotoionização não é um problema de um único elétron, pois ao ionizarmos o átomo de Neon, os elétrons remanescentes ficam submetidos a um potencial elétrico diferente, sendo assim um problema de muitos corpos. De forma que a diferença entre os modelos teóricos e os dados experimentais indicavam que algo não estava sendo corretamente considerado nos modelos teóricos ou no procedimento experimental. Este impasse durou alguns anos.

Esta situação somente seria resolvida com a publicação de um artigo em 2017 de  Isinger e colaboradores  . Neste artigo, os autores consideraram o chamado efeito de shake-up no cálculo da diferença entre os tempos de emissão. Este efeito ocorre quando um elétron é retirado das camadas internas de um átomo, deixando um buraco no íon, isto causa uma excitação coletiva no sistema. Neste processo um parte da energia do elétron resultante da fotoionização acaba sendo transferida para este processo de excitação coletiva. No artigo de Isinger, foram analisados o processo de fotoionização de um elétron do orbital 2p conjuntamente com o processo de excitação de um elétron de 2p para 3p (efeito de shake up).

Na figura 1 apresentamos esquematicamente o efeito shake-up. O elétron fotoionizado está representado na parte superior (indicado como “Elétron ionizado” na figura 1) e o elétron excitado de 2p para 3p  esta indicado por “Transição” na figura 1. Os resultados obtidos, levando em consideração o efeito de shake-up está apresentado na figura 2 , na qual o valor teórico está representado pela linha cheia. O eixo horizontal é a energia do fóton.

Os dados da diferença no tempo de emissão τ(2s)−τ(2p) entre os dois níveis (o eixo vertical na figura 2) obtidos por Isinger e colaboradores são os círculos amarelos e os círculos vermelhos (as cores representam os feixes de fótons obtidos com diferentes tipos de filtro). O quadrado é o dado experimental do artigo de Schultze, mostrando  que o resultado não é compatível com o modelo teórico (a linha cheia escura).

A existência deste atraso, como resultado do movimento coletivo dos elétrons, é um resultado excepcional. Se os lasers de femtosegundos permitiram o estudo de movimento dos átomos e das moléculas (e rendeu o Nobel de Quimica de 1999), as fontes de atosegundos abrem novas perspectivas para o estudo de movimentos coletivos de elétrons dentro de diferentes sistemas, além do desenvolvimento de novas tecnologias experimentais [3].

E respondendo a pergunta do título: a ionização não é um processo imediato (instantâneo), mas ocorre em tempos de atosegundos e atualmente podem ser medidos experimentalmente. Estes cálculos apesar de serem bastante elaborados, a informação de que o processo não é instantâneo pode e deve constar nos livros textos de introdução à Física Moderna.

Referências

[1] O termo atualmente utilizado fóton para o quantum de luz, foi introduzido em 1926 por GN Lewis em outro contexto dizendo que o fóton seria  ” hipotético átomo, que não é a luz, mas tem um papel essencial em todos os processos de radiação“, mas posteriormente foi incorporado na literatura da física como atualmente a utilizamos e não a proposta original de Lewis. Ver por exemplo em https://www.aps.org/publications/apsnews/201212/physicshistory.cfm, em que o trecho destacado no texto aparece como “I therefore take the liberty of proposing for this hypothetical new atom, which is not light but plays an essential part in every process of radiation, the name photon.”

[2] Foram agraciados  Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier, ver em https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2023/summary/ . Para um texto em português, ver no   jornal da unesp ou no site do CREF.

[3] O átomo de Neon tem dez elétrons e sua configuração eletrônica satisfaz 1s2,2s2,2p6

 


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