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A dinâmica do balanço: explicando como a criança se embala.

Olá! Primeiramente gostaria de dizer que minha pergunta eu sei a resposta, mas considero a pergunta interessante, apesar de simples, para ser exposta e respondida pela equipe. Segue a pergunta:

Sabemos na prática que qualquer criança em um balanço consegue pendular a partir do repouso e em seguida aumentar sua amplitude gradualmente apenas com o movimento corporal sem a necessidade de empurrar com os pés ou mãos um objeto fixo externo ou o chão. Se isso é fato, é preciso uma força externa (ou torque) tanto para o balanço iniciar o movimento quanto para aumentar sua amplitude. No entanto, analisando o sistema como um pêndulo físico no qual só atuam a força de tensão da corda e a força peso, qual a força externa que atua sobre o sistema já que a tensão não realiza trabalho e a força peso produz apenas torque restaurativo? Como é possível que uma criança consiga se balançar no balanço?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

A resposta a este questionamento foi dado anteriormente na postagem sobre Ganho de Energia Mecânica por um skatista e pelo incensário de Santiago de Compostela. Entretanto novamente o tema será discutido.

Inicialmente é importante destacar que o trabalho de forças internas a um sistema pode modificar (aumentar ou diminuir) a energia mecânica de um sistema.

Em um automóvel é evidente que o trabalho do motor (que é um trabalho interno ao sistema automóvel) pode aumentar a energia mecânica do automóvel ou compensar as perdas causadas por agentes externos (ar, estrada, …). Assim também os freios de um automóvel, realizando um trabalho interno resistivo (negativo) sobre as rodas, fazem com que a energia mecânica do automóvel diminua. Idem para uma bicicleta. É possível se dar inúmeros outros exemplos de como trabalho produzido dentro de um sistema, (portanto realizado por forças internas) afeta a energia mecânica do sistema e há diversas postagens tratando do tema. Vide entre outras postagens Questão 67 sobre a corrida do Usain Bolt – Prova Branca – ENEM2015, Mais sobre o teorema trabalho-energia e a questão sobre o Bolt no ENEM-2015, Musculação: trabalho realizado pelo sujeito. Vide também a dissertação de mestrado TRABALHO E ENERGIA: UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A TRANSFORMAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ENERGIA.

No caso da criança que se embala vale detalhar um pouco melhor como ela consegue transferir energia mecânica ao balanço pois este processo é muito interessante do ponto de vista dinâmico. Inicialmente nota-se que a criança pode alterar a posição de partes do seu corpo em relação ao balanço, por exemplo, por simples movimento das pernas que pendem para fora do balanço ou elevando ou baixando o corpo sobre o assento. Se modelarmos o balanço como um pêndulo, estes movimentos do corpo da criança em relação ao balanço modificam o comprimento do “pêndulo simples equivalente” ao sistema balanço-criança. Então consideremos que a criança já tenha inicialmente alguma energia potencial gravitacional, partindo do repouso do ponto A da figura abaixo.

O balanço, ao descer, ganha energia cinética e quantidade de movimento angular em torno do ponto de suspensão. Quando o balanço atinge a parte baixa da trajetória, a criança eleva as pernas que pendiam abaixo do assento e, pode também, se puxando para cima elevar todo o corpo em relação ao assento. Isto equivale a encurtar o comprimento do “pêndulo simples equivalente” e tal está indicado na figura como a linha BC. Ao encurtar o comprimento do pêndulo, há um ganho de energia cinética graças ao fato que este encurtamento NÃO altera a quantidade de movimento angular em relação à suspensão. Ou seja, este processo é análogo ao da bailarina que, já rodopiando, fecha seus braços, realizando trabalho, conservando a quantidade de movimento angular e ganhando energia cinética. Vide a discussão em Girando e aumentando a energia cinética. Como surge a energia cinética extra?

Ou seja, ao passar de B para C, o balanço ganha energia mecânica graças ao trabalho realizado pela criança. Quando o balanço chega em D, é o momento de retomar a posição das partes do corpo da criança como originalmente em A.   Esta retomada aumenta o comprimento do “pêndulo simples equivalente” e, como o balanço já está quase em repouso, haverá novamente no processo de reposicionamento do corpo conservação da quantidade de movimento angular e agora perda de energia cinética. Entretanto esta perda entre D e E, será MENOR do que o ganho obtido entre B e C pois, como já notado, o balanço encontra-se já quase parado, atingindo então o ponto E que está acima do nível do ponto de partida A. Agora basta a criança esperar a chegada novamente em B e repetir o procedimento para continuar aumentando a energia mecânica do balanço ou, simplesmente, para repor as perdas de energia mecânica acontecidas ao longo do movimento oscilatório pelas forças dissipativas externas ao sistema.

O processo descrito tem como aspectos importantes o encurtamento do pêndulo quando ele já tem energia cinética e o seu alongamento quando a sua energia cinética é pequena. Estas duas ocorrências, se acontecidas nos momentos adequados, implementarão a energia mecânica do sistema oscilatório graças ao trabalho de forças internas ao sistema balanço-criança. As forças externas ao balanço não podem aumentar a energia mecânica do sistema pois o peso é uma força conservativa (cada vez que a posição inicial é recuperada, o trabalho do peso é nulo), a força tensora não realiza trabalho pois o seu ponto de aplicação (na suspensão do balanço) não se desloca e as forças resistivas do ar determinam perdas de energia mecânica.

“Docendo discimus.” (Sêneca)


13 comentários em “A dinâmica do balanço: explicando como a criança se embala.

  1. Bruno Silva disse:

    Boa tarde!

    Gostaria de perguntar se o trabalho para manter o sistema desbalanceado dessa maneira (o trabalho da criança no balanço), é maior ou menor que o trabalho do sistema em si?

  2. George Frederick disse:

    Professor, se definirmos que meu sistema é o carro, o motor gera torque interno sobre as rodas e a roda empurrar o chão e, consequentemente, o chão empurra o carro. Logo o agente que faz a força sobre o carro é o chão e não o motor. É tanto que se o carro estivesse no espaço flutuando ou se estivesse em um chão sem atrito nenhum, o carro não se moveria. Logo, as forças internas a um sistema não podem realizar trabalho sobre o mesmo sistema. O mesmo vale para os demais exemplos, um homem caminhando, o balanço, a bicicleta…

    Sobre a comparação do caso do balanço com o incensário de Compostela, acredito que não cabe, pois não explica como a criança no balanço inicia o movimento partindo do repouso. No vídeo do incensário pode-se notar que inicialmente o incensário é posto para pendular com uma amplitude pequena e só depois que a corda é puxada e ocorre o que você explicou. Porém, se o incensário partir do repouso puxar e soltar a corda fará apenas com que o incensário suba e desça, não produzindo torque.

    No caso da criança no balanço, se a mesma só tem contato com a corda e com a gravidade da terra, partindo do repouso, como é possível que ela inicie seu movimento e em seguida aumente sua amplitude?

    • Fernando Lang disse:

      O embalo da criança, conforme discutido na postagem, tem como pressuposto que o balanço possua alguma energia cinética ou potencial gravitacional (ou ambas) inicialmente. Depois a energia mecânica aumenta graças ao trabalho de forças internas ao balanço.
      No caso do automóvel, como a força de atrito entre os pneus e a estrada é uma força de atrito estática (a menos que haja deslizamento da borracha dos pneus sobre a pista, o que é indesejável por razões óbvias) pois a região do pneu em contato com a pista está sempre em repouso, não há trabalho realizado pela força de atrito.

      Que forças internas podem realizar trabalho está discutido em diversas postagens do CREF e nesta dissertação de mestrado na UFRJ Trabalho e Energia: uma nova abordagem sobre a transformação e conservação de energia.

      • Leonardo disse:

        Vale também lembrar que, caso o carro não esteja em contato com o chão (este esteja no “espaço flutuando”), o trabalho realizado pelo motor será transferido para as rodas e virará momento angular (e uma pequena quantidade de trabalho será realizada também pelos gases do escapamento).

  3. Isabelly Rodrigues Collato disse:

    Boa tarde, queria saber se quando a criança solta o balanço, há alguma transformação de energia.

    • Fernando Lang disse:

      O balançar sempre envolve transformações de energia cinética em energia potencial e vice-versa. Adicionalmente existem perdas de energia mecânica por forças dissipativas (por exemplo a resistência do ar) e ganhos de energia mecânica quando acontece o processo discutido na postagem.

  4. Bruno Bressan disse:

    Achei interessante, e abordam muitos pontos importantes!

    No entanto, (pode ser que eu não tenha encontrado ou entendido), me parece ter faltando uma “componente” bem importante e que é uma das causas do movimento:

    então,.. quando a criança está em baixo (maior energia cinética), a gravidade “puxa” totalmente na vertical (e nesse momento) o peso está apoiado no ponto de sustentação, e qualquer elevação do corpo nesse ponto não afeta (a “menos” do momento angular que soma energia cinética (como a patinadora que fecha os braços no rodopio e acelera))! Ou seja, há um ganho pelo momento angular, e também pelo levantar a perna quando na parte mais baixa que depois ainda devolve essa energia na parte mais alta ao abaixar a perna ,…

    Posso estar enganado (pode ser até que não exista esta componente do baixar a perna durante a descida),… mas não vi essa segunda componente na explicação, bem como gostaria de sabe se ela realmente existe!!

    • Fernando Lang disse:

      Deves ter em conta que a criança no balanço não trabalha apenas contra seu peso. No sistema de referência do balanço, além do peso puxando a criança para baixo, há a força inercial centrífuga e esta muda conforme muda o valor da velocidade do balanço. A força inercial centrífuga é máxima no ponto mais baixo da trajetória e o seu valor diminui, tendendo para zero quando o balanço atinge seu ponto máxima energia potencial gravitacional. Sobre forças no sistema de referência acelerado de um pêndulo vide Forças no sistema de referência acelerado de um pêndulo: estudo teórico e resultados experimentais.

      • Bruno Bressan disse:

        Obrigado pela resposta!

        Já li a introdução do artigo indicado,… vou ler com calma posteriormente!
        ————————
        Essa parte da sua resposta que me refiro, e melhorarei minha pergunta: “A força inercial centrífuga é máxima no ponto mais baixo da trajetória”

        Justamente nesse ponto mais baixo, a atuação da Gravidade na massa do corpo tem “suas componentes” totalmente na vertical, e realizar uma força levantando as pernas nesse ponto não tem nenhuma componente que interfere negativamente na oscilação do pêndulo!*

        O mesmo não acontece em outros momentos, pois levantar a perna (sem ser na vertical) causa um decréscimo na velocidade por conta da componente da gravidade “atuando” na massa do corpo!*

        Por isso, no meu entendimento, esse levantar da perna quanto mais perto da vertical, melhor será o ganho de energia acumulada para no ponto mais alto “lançar” (ou deixar “cair”) essas pernas para “baixo” para ganhar velocidade no balanço!!

        * Obs: a conservação do momento ao aproximar a massa do “centro” ainda armazena energia na forma de velocidade na rotação, também ajudando na velocidade (só que essa mesma energia é perdida depois na descida onde a perna é “lançada para baixo” e se afasta do “centro”!

        Adendo: Relendo sua postagem inicial compreendi que diz que a “principal” força que faz aumentar a velocidade é a conservação do momento angular que acontece de forma máxima na parte mais em baixo, e ocorre de forma mínima na parte mais alta onde ao afastar os pés do centro reduz pouco o momento angular por a velocidade ser praticamente zero (logo o momento angular é zero e não interfere na velocidade que também é “zero”)!

        Então,… você está me dizendo que essa variação do momento angular é a única componente que possibilita aumentar a velocidade!?!? E assim, o “lançar” ou “deixar cair” as pernas para baixo pouco (ou nada) ajuda no ganho de velocidade?!!! ENTENDI,… mas ainda não consigo de forma natural “visualizar” não ser uma componente importante no ganho de velocidade “baixar” as pernas!!!

  5. GUILHERME CANETE VEBBER disse:

    Esta é uma das perguntas do CREF que mais me fizeram refletir a respeito e quebrar a cabeça até hoje, pois creio que a resposta esteja incompleta. A meu ver, o atrito no eixo do balanço é essencial para explicar o início do movimento, que pressupõe um torque externo ou um apoio fixo para gerar um momento angular inicial. E considerando o jeito que eu aprendi a balançar, cujo movimento de pernas só se dá nos pontos mais altos do balanço (esticando as pernas na ida e encolhendo na volta), esse atrito é o que permite transformar energia interna para mecânica nesses pontos da trajetória.

    • Rogério Nunes Wolff disse:

      Eu acho também que a descrição do movimento das pernas não está certa. O certo é: em A esticamos as pernas e em E dobramos as pernas. Simplesmente não há movimento das pernas na parte mais baixa da trajetória, nem indo, nem voltando. Ou seja, não há o encurtamento do pêndulo equivalente no momento de maior energia cinética. Inclusive é possível diminuir a amplitude do balanço fazendo o movimento contrário: esticando as pernas em E e dobrando-as em A. Acredito que a postagem necessita revisão.

  6. juliano disse:

    oi. gostei muito do seu site, vou verificar toda semana as atualizações.Obrigado

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