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A “descoberta” do Raio N

A história da ciência não é feita só de sucessos e acertos como exemplifica a “descoberta” do Raio N por René Blondlot em 1903.

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

Na história da ciência, geralmente, não contamos os caminhos que deram errados, passando a impressão de que o avanço é linear, com progressos e mais progressos. Mas isto está bem longe do que ocorre nas ciências.  Uma história interessante e instrutiva é a “descoberta” do Raio N.O que é o Raio N? Nunca ouviu falar? Não é surpresa, pois ela não existe. Mas no início do século XX, quando foi anunciada a sua descoberta, foi um grande alvoroço! Para entender um pouco da situação, vamos relembrar o panorama do período, em especial na física.

Em 1895, Roentgen anunciava a descoberta do raio-X, e nos próximos anos, trabalhos de Becquerel, dos Curie tornava o estudo da radioatividade uma área de intensas pesquisas. Foram descobertos, os raios gama, alfa, beta e uma série de elementos radioativos. Dentro deste cenário de descobertas de novos tipos de radiação, em 1903 um físico francês, reconhecido e respeitado, anuncia a descoberta de um novo tipo de radiação, o Raio N. A letra N é uma homenagem à cidade de Nancy, onde René  Blondlot, o descobridor do raio N trabalhava. Blondlot não era um físico qualquer. Era respeitado e experiente, e extremamente cuidadoso. As descrições dos seus experimentos para a detecção do Raio N, mostram uma legítima preocupação em determinar as características desta nova radiação.

Logo após o anúncio da sua descoberta, outros pesquisadores repetiram os experimentos, e conseguiram detectar o raio N. E o mais interessante, foram relatados emissão de raio N por diversos objetos, incluindo o Sol e mesmo por pessoas, que continuavam a emitir mesmo mortos.  O número de publicações sobre o assunto, em um período de um ano e meio após o anúncio da descoberta, aumentou de forma explosiva. Blondlot em 1904 recebeu um prêmio da Academia de Ciências da França pelos seus trabalhos com o raio N. O assunto era um sucesso!

Mas, outros pesquisadores não conseguiram detectar o raio N. Pesquisadores como Kelvin, Otto Lummer, William Crookes não conseguiram reproduzir os resultados. A alegação de Blondlot, era que como o efeito era muito sensível, era necessária uma acuidade visual muito boa.

Em 1904 o físico americano Robert Wood, que também não conseguia detectar os raios N, resolveu visitar o laboratório de Blondlot na França, para tentar entender o que era necessário para reproduzir os resultados. Isto mostra como Blondlot era bem considerado. Na França, Blondlot realizou os experimentos na presença de Wood. Para a decepção de Wood, apesar de Blondlot e seu assistente alegarem que estavam observando o fenômeno, para Wood isto não era claro.

Neste experimento o Raio N, de acordo com Blondlot, atravessava um prisma de alumínio e produz um espectro, como no caso da luz ao atravessar um prisma. Este espectro, causaria um aumento no brilho em alguns pontos em uma tela fosforescente, que Blondlot mostrava para Wood, que não conseguia ver nenhum efeito! Ele resolveu fazer uma modificação no experimento, sem que Blondlot e seu assistente percebessem. O laboratório era bem escuro, assim com  cuidado, retirou o prisma do aparelho e pediu  que o experimento fosse novamente realizado. Para a surpresa de Wood, Blondlot e seu assistente continuavam a detectar a cintilação, mesmo sem a presença do prisma! Isto foi suficiente para Wood ter a certeza de que o efeito não era real.  Wood enviou uma carta para a revista Nature, relatando a sua visita, e a não observação do fenômeno.

Após a publicação da carta de Wood na Nature, os relatos de detecção do Raio N simplesmente deixaram de existir.

É importante deixar claro que Blondlot não foi um fraudador. Este caso mostra que mesmo pesquisadores cuidadosos podem cometer erros de observação e interpretação dos resultados. Mostra também a importância da realização de experimentos por grupos independentes para a verificação dos resultados.

Referências

APS, September 1904: Robert Wood debunks N-rays,  https://www.aps.org/archives/publications/apsnews/200708/history.cfm

YAMASHITA, M . A lição do caso dos “raios N”, Revista Questão de Ciências,  https://revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2023/05/22/licao-do-caso-dos-raios-n

MARTINS, Roberto de Andrade. Os “raios N” de René Blondlot: uma anomalia na história da física. Rio de Janeiro: Booklink; São Paulo, FAPESP; Campinas, GHTC, 2007. (Scientiarum Historia et Theoria, vol. 3)


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