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Mais uma vez o vórtice de Coriolis no ralo da pia

Olá, professor.

Sei que o senhor descarta a possibilidade da força de Coriolis fazer com que a rotação da água em um ralo seja diferente no hemisfério norte e hemisfério sul. Pois dois canais bastante conceituados no Youtube, conhecidos por experimentos físicos realizaram um experimento na Austrália e nos Estados Unidos e realmente se observa rotações diferentes. Acredito que seja melhor a visualização através do link: http://www.iflscience.com/physics/truth-about-toilet-swirl-does-it-flow-opposite-directions-different-hemispheres

Gostaria de saber sua opinião sobre o conjunto de vídeos.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

De fato descarto a ocorrência dos tais vórtices de Coriolis em ralos de pias, vasos sanitários, …

O resultado dos experimentos nos vídeos citados são consistentes com os dos experimentos de Shapiro em Boston em 1962, publicados na Nature, citados em nosso artigo ACERCA DE UM MITO: O VÓRTICE DE CORIOLIS NO RALO DA PIA. Shapiro detectou a ocorrência do vórtice de Coriolis no esvaziamento de um tanque em situações controladas. Citando nosso artigo literalmente:

Os experimentos de Shapiro

Shapiro imaginou que, se o vórtice no ralo de um tanque fosse devido à força de Coriolis, ele deveria ocorrer no sentido anti-horário no hemisfério Norte. Ele utilizou um tanque cilíndrico com 6 pés (183 cm) de diâmetro e fundo horizontal. No centro do tanque havia um orifício com diâmetro de 3/8 polegada (0,95 cm); a esse orifício estava conectada uma mangueira com 20 pés de comprimento (6 m), na extremidade da qual havia uma válvula. O tanque era enchido até que a lâmina de água atingisse 6 polegadas (15 cm) de altura. Portanto, continha quase 400 litros de água; ao ser aberta a válvula, ele esvaziava-se completamente em 20 minutos.

Ao encher o tanque, propositalmente a água era introduzida de forma que girasse lá dentro em sentido horário, isto é, em sentido contrário ao predito pela hipótese que admite a formação do vórtice por força de Coriolis. Depois do tanque cheio, aguardava cerca 1 ou 2 horas para abrir a válvula. Um pequeno flutuador de madeira em forma de cruz, com uma polegada (2,5 cm) de comprimento em cada haste era cuidadosamente colocado a flutuar diretamente sobre o ralo, um pouco antes da abertura da válvula. Esse flutuador funcionava como detector de vórtice. Entre 1 e 2 minutos após a abertura do ralo, já era possível observar um vórtice em sentido horário, contrário ao predito pela força de Coriolis. Tal se devia à quantidade de movimento angular residual em sentido horário, ainda restante no final de 1 ou 2 horas após o enchimento do tanque.

Shapiro efetuou outro experimento, desta vez esperando 24 horas para abrir a válvula. Durante esse tempo o tanque permaneceu coberto com uma lâmina de plástico, a fim de evitar efeitos de corrente de ar, minimizar trocas de calor por evaporação na superfície e conseqüentes correntes de convecção na água. Aberta a válvula, durante os primeiros 15 minutos (lembremos que o tanque esvaziava-se em 20 minutos) não podia ser percebido vórtice; no final desse tempo, começava-se a notar o início do vórtice em sentido anti-horário, de acordo com a teoria da força de Coriolis. Quando o tanque estava prestes a se esvaziar completamente, o vórtice levava de 3 a 4 s para descrever uma rotação completa.

Esses dois experimentos permitem concluir que em uma pia ou tanque doméstico, certamente a formação do vórtice não poderá ser atribuída à força de Coriolis. Lembremos que mesmo que a água permaneça sem ser perturbada por muito tempo após o enchimento da pia ou tanque, o ato de abrir já é suficiente para determinar alguma quantidade de movimento angular inicial; outros fatores capazes de influenciar na formação dos redemoinhos são apresentados mais adiante. Inspirados nos experimentos de Shapiro, fizemos outros na pia do banheiro, que são facilmente reproduzíveis por quem assim desejar. A seguir descreveremos como fazê-los.

É lamentável que em videos como estes dois tais resultados sejam apresentados como novos sem sequer fazer uma referência ao artigo de Shapiro. Os vídeos são longos, com muita conversa e uma simples referência ao fato de que em 1962 resultados semelhantes foram obtidos (e referidos em um artigo na Nature), além de dar crédito a quem é devido, engrandeceria as atuais apresentações. O plágio intelectual na web é uma constante atualmente e deve ser repudiado com veemência.

Portanto o meu comentário final é que tais vídeos nada de novo demonstram. Tal não desmerece o trabalho pois o que há de inédito é a apresentação de resultados em uma forma impossível anteriormente: um no hemisfério norte e o outro no hemisfério sul.  Entretanto continua sendo um mito que os vórtices que vemos cotidianamente em ralos de pias tenham alguma coisa a ver com a força inercial de Coriolis.

Outras postagens relacionadas ao tema: Vórtice de Coriolis.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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Comentário no Facebook

Prof. Aguinaldo Severino (UFSM) – Taí Fernando, uma homenagem do MIT ao Shapiro (e dando crédito a ele). Abraços.    https://www.technologyreview.com/2012/10/24/183079/verifying-a-vortex/

Bruno Hartmann – Eles citam o estudo do Shapiro na descrição do vídeo: “There was a study performed at MIT years ago (http://web.mit.edu/hml/ncfmf/09VOR.pdf) that explained the physics involved. We repeated some of these demonstrations, but on opposite sides of the globe…and in a way that can be easily understood.”

Bruno Hartmann – Sim, acho que eles poderiam ter deixado mais claras as fontes de pesquisa deles… Mas o principal objetivo desses canais é a divulgação da ciência pras pessoas que não estão no meio científico. Acho não haveria uma boa reposta do público se eles jogassem um monte de artigos pra cima do espectador, porque, querendo ou não, essa é a parte “chata” da ciência. É muito mais revelador e bonito visualizar do que ler algo que alguém diz que viu.

Fernando Lang da Silveira – Menos mal que está na descrição do vídeo mas deveriam lembrar isto no próprio vídeo. Os vídeos podem ser assistidos sem se olhar as descrições. É o que ocorre em incontáveis compartilhamentos.

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 1835.


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