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Manchas escuras em Marte: como as interpretar?

Boa noite, quando as imagens de Marte apresentam manchas escuras, os cientistas dizem que podem estar ligadas com a existência de água. Como é feita esta interpretação das imagens que nos dizem aquilo que existe na superfície de outro planeta?

Respondido por: Prof. Jose Eduardo da Silveira Costa - IF-UFRGS

Grande parte do que sabemos sobre atividade na superfície de Marte (ventos, tempestades de poeira, deslizamentos, variações nas calotas polares, possíveis escoamentos de líquidos, etc) é feito a partir de comparações de imagens de uma mesma região do planeta, obtidas em diferentes instantes de tempo e realizadas por sondas que orbitam o planeta. A interpretação do que é observado é feita com base em possíveis mecanismos geofísicos ou atmosféricos que possam explicar as alterações.

Algumas manchas escuras, não todas, presentes nas imagens da superfície de Marte podem estar associadas à processos que envolvem a presença de água líquida.

Em 2006, comparando-se imagens enviadas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da NASA, constatou-se a presença de grandes sulcos, similares a ravinas, nas bordas inclinadas de duas crateras e que não estavam presentes em imagens obtidas em anos anteriores.

Na Terra, ravinas são formadas pela erosão causada pelo fluxo de água de córregos ou enxurradas. Então, uma possível explicação para a formação das ravinas da cratera Newton é que elas teriam sido formadas pela erosão causada pelo fluxo de alguma coisa, líquida ou seca, emergente da subsuperfície.

Nas condições atuais de temperatura e pressão na superfície de Marte, qualquer porção de água líquida que chegue à superfície evapora em minutos ou em horas, dependendo de sua salinidade, da estação do ano e da altitude do local, o que impede a formação de fluxos e depósitos estáveis de água. Desta forma, as ravinas observadas nessas crateras poderiam ter sido formadas por um fluxo de água salina emergente que escorreu, produziu os sulcos na superfície, deixando à mostra camadas inferiores  com coloração mais escura e evaporando algum tempo depois.

Mas, há outras hipóteses que não envolvem água líquida. Não se pode descartar a possibilidade de um fluxo de partículas sólidas. Na parte sul de Marte, observa-se “sulcos” ainda maiores, muito mais profundos e permanentes durante todo o ano, chamados voçorocas, provavelmente produzidos por um processo erosivo similar. Entretanto, nesta região do planeta, a presença de água líquida, mesmo durante o verão, é praticamente impossível. Por isto, supõe-se que as voçorocas foram formadas por um fluxo de partículas sólidas (de poeira), talvez, “lubrificadas” por dióxido de carbono sólido.

Outra descoberta interessante feita pela NASA, em 2011, e que talvez tenha motivado sua pergunta, foi a presença de faixas escuras nas superfícies rochosas inclinadas das bordas de crateras no hemisfério sul de Marte. Essas faixas escuras se formam durante os dias mais quentes do verão marciano e desaparecem progressivamente nas estações seguintes. E este processo se repete todo o ano. Este processo pode envolver o escoamento de água salina, deixando algum tipo de resíduo que alteraria a coloração local.

Esta hipótese foi testada por meio de espectroscopia, realizada por um dos instrumentos da sonda MRO. A análise espectroscópica da luz refletida por uma superfície fornece informações sobre a composição química dominante  e no caso dessas superfícies rochosas, constatou-se que a concentração de sais hidratados aumentava ao mesmo tempo que as faixas escuras cresciam.

Entretanto, uma análise dos dados obtidos durante mais de 10 anos pelo espectrômetro de nêutrons a bordo de uma outra sonda marciana, a Mars Odissey, não mostram evidências de água nesses locais. Isso leva à outras hipóteses, como por exemplo, algum processo envolvendo deliquescência, isto é, a absorção de pequenas quantidades da água presente na atmosfera por sais na superfície rochosa, ou mesmo um fluxo de partículas sólidas.

Resumindo, comparando imagens obtidas em instantes de tempo diferentes pode-se estudar fenômenos ativos na superfície do planeta. A interpretação do que é observado é feita com base no conhecimento que temos sobre os possíveis processos que podem explicar essa atividade. Isso leva à formulação de hipóteses que devem ser testadas por meio de outras técnicas, podendo ser descartadas ou não.


Um comentário em “Manchas escuras em Marte: como as interpretar?

  1. Eduardo Lauande Teixeira de Souza disse:

    Achei muito boa a explicação. Contudo, há alguns anos, uma destas sondas pode ter detectado clorsto ou perclorato, wue são sais que a divulgação da Nasa indicou só serem possíveis de serem formados sob água. Mas como a detecção se deu por espectroscopia à distância, poderia sim haver um erro. Mas nunca mais ouvi falar desse assunto.

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