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Inércia e Princípio de Mach.

Olá, professor! Você poderia explicar sobre o princípio de Mach e a relação com a inércia de Newton?

Respondido por: Prof. André Koch Torres Assis - IF-UNICAMP

Isaac Newton apresentou suas três leis do movimento e sua lei da gravitação universal no livro “Princípios Matemáticos de Filosofia Natural” de 1687. Nas suas leis o movimento dos corpos é descrito em relação ao que chamou de espaço absoluto, que não tem relação com a Terra nem com as estrelas. Para justificar a existência do espaço absoluto realizou uma experiência bem simples, mas extremamente importante, que ficou conhecida como a experiência do balde de Newton. Ela é tão fundamental que Newton apresentou-a no início de seu livro, antes mesmo das três leis do movimento. Ele pegou um balde suspenso por uma corda com água pela metade. Quando a água e o balde estão parados em relação à Terra, a superfície da água fica plana. Ele então torceu a corda e soltou o balde. No início apenas o balde girava, mas ele foi transmitindo um movimento de rotação à água até que depois de um certo tempo a água passou a girar junto com o balde. Nessa última situação a superfície da água ficou côncava, como um paraboloide de revolução, mais baixa no centro e subindo em direção às paredes do balde como representado na Figura 1.

A pergunta principal de Newton é a seguinte. A concavidade da água é devida à sua rotação em relação a que? Existem três suspeitos materiais, a saber, em relação ao balde, em relação à Terra, ou em relação a todos os outros corpos distantes do universo (estrelas etc.). Na sua interpretação dessa experiência Newton concluiu que a concavidade da água não era devido à sua rotação em relação a qualquer um desses três suspeitos. Na mecânica newtoniana a concavidade surge quando a água está girando em relação ao vácuo (espaço vazio), ou seja, em relação que ele chamou de espaço absoluto.

Em 1883 o físico experimental austríaco Ernst Mach publicou o livro “A Ciência da Mecânica” no qual criticou fortemente as ideias de Newton. Para Mach não existe sentido filosófico ou empírico em se falar do movimento de um corpo em relação ao vazio, só existindo o movimento de um corpo em relação a outros corpos materiais. Defendeu que na experiência do balde a curvatura da água ocorre quando ela está girando em relação aos corpos distantes do universo. Propôs então uma experiência de pensamento com a qual se pode entender a diferença entre essas duas visões de mundo. Vamos supor que deixamos o balde e a água em repouso em relação à Terra, mas que pudéssemos girar o conjunto de todas as estrelas do universo ao redor do eixo do balde (com todas as estrelas girando juntas com a mesma velocidade angular em relação à Terra). Nesse caso hipotético, o que iria acontecer com a água? Na mecânica newtoniana a água continuaria plana, enquanto que de acordo com Mach a água deve ficar com um perfil parabólico como indicado na Figura 2.

Para Mach as situações cinematicamente equivalentes têm de ser dinamicamente equivalentes. Vamos supor a Terra como referencial. Girar o balde com água uma vez por segundo no sentido horário em relação ao conjunto de corpos distantes do universo é cinematicamente ou visualmente equivalente a girar o conjunto de corpos distantes do universo uma vez por segundo no sentido anti-horário em relação ao balde parado. Logo essas duas situações têm de ser dinamicamente equivalentes, ou seja, a água tem de ficar com o mesmo formato parabólico nos dois casos. Ele não chegou a implementar essas ideias na prática pois não podemos girar o conjunto de todas as estrelas uma vez por segundo ao redor da Terra. Também não chegou a implementá-las matematicamente. Newton havia mostrado com sua lei da gravitação universal que é nula a resultante das forças de um conjunto de estrelas espalhadas simetricamente ao redor da Terra. Para implementar teoricamente suas ideias, Mach teria de mostrar matematicamente como que ao girar o conjunto de estrelas ao redor da Terra elas poderiam gerar uma força centrífuga real que empurraria a água contra as paredes do balde, fazendo com que ela adquirisse um formato parabólico. Mas ele não chegou a mostrar isso. De qualquer forma suas ideias ficaram conhecidas como o princípio de Mach.

Albert Einstein foi fortemente influenciado pelo livro de Mach. Criou sua teoria da relatividade geral com o objetivo de implementar matematicamente suas ideias. Mostrou que aparecem forças centrífugas no interior de uma casca esférica girando que empurrariam corpos no interior da casca a se afastarem do eixo de rotação. Apesar desses efeitos, concluiu que sua teoria não implementava totalmente o princípio de Mach. Acabou abandonando o princípio de Mach e ficando com sua teoria da relatividade geral, embora as ideias de Mach tivessem sido sua principal inspiração na criação da teoria. Ernst Mach, por sua vez, rejeitou a teoria da relatividade de Einstein por achar que ela não estava de acordo com suas ideias. Isso fica evidente na correspondência de Mach e também no prefácio de seu último livro.

Porém, é possível implementar o princípio de Mach utilizando a Mecânica Relacional, que é baseada numa lei de Weber para a gravitação. Wilhelm Weber propôs uma força entre cargas para unificar as leis de Coulomb, Ampère e Faraday. A força de Weber para a gravitação é similar à lei de Newton, mas contém dois termos adicionais que dependem da velocidade e da aceleração relativas entre os corpos que estão interagindo. Com a lei de Weber implementa-se quantitativamente o princípio de Mach. Os detalhes estão disponíveis no livro “Mecânica Relacional e Implementação do Princípio de Mach com a Força de Weber Gravitacional”. Esse livro foi publicado em 2013 e está disponível gratuitamente em formato PDF no seguinte link:

http://www.ifi.unicamp.br/~assis/Mecanica-Relacional-Mach-Weber.pdf

Ele também pode ser adquirido em formato impresso através da Amazon:

http://www.amazon.com/dp/0986492698

Nesse livro encontra-se uma discussão detalhada de todo esse assunto incluindo o achatamento da Terra nos polos devido à sua rotação diária, o pêndulo de Foucault etc. São apresentadas diversas citações originais de Newton, Mach, Einstein e muitos outros cientistas. No final há uma grande bibliografia sobre o tema.


3 comentários em “Inércia e Princípio de Mach.

  1. Ricardo Wong disse:

    Havia lido superficialmente antes, peço que indiquem onde está meu erro:

    O que entendi ( talvez errado ) era que o Princípio de Mach não abrange o a invariância da vel. da luz c , com espaço-tempo covariantes entre si para vel. c ser invariante, e que a Lei de Weber, escrita para a Eletrodinâmica de Weber, não é consistente com o Eletromagnetismo de Maxwell .

    Se não tiver entendido muito errado, não veria problema em modelar fenômenos com Eletrodinâmica de Weber e uma teoria científica “alternativa” à Relatividade, SE for viável .

    O balde de Newton demonstra um experimento de exceção , mas usando o Princípio de Mach e a Eletrodinâmica de Weber seria possível explicar TODOS outros experimentos e fenômenos que já são compreendidos com Relatividade e Eletromagnetismo de Maxwell ?

    Não tem nenhum fenômeno que a abordagem Mach-Weber não funciona, e que a de Einstein-Maxwell sim ?

    Não me entendam mal, o trabalho do prof. Dr. André Koch já é brilhante por fazer pensar fora da caixa, além do convencional, e remontando como a ciência evoluiu com o debate destes gênios.

    Mas existe chance real de um dia ambas abordagens puderem ser escolhidas e usadas nos mesmos fenômenos, sem qualquer prejuízo a generalidade ?

    • Rafael Moura disse:

      Na minha opinião tudo é possível, porém se gênios da época não conseguiram, muito difícil uma pessoa desta época fazer, pois já temos uma resposta pra estas questões apesar de não implementar o princípio de Mack, talvez os físicos teriam que voltar um pouco atrás, porque é meio ruim deixar uma coisa de fora, sem explicação, obrigado ?

  2. Pedro Felix da Silva Júnior disse:

    Compartilho o seguinte artigo do professor Domingos S. L. Soares. O professor Domingos é Doutor em Astrofísica pela UFMG e pós-doutor pela Cornell University.
    No breve artigo que segue, o professor Domingos aborda o que ele classifica como o “Efeito Einstein Fossilizado”, ao descrever a rejeição, por vezes, ilógica e preconceituosa, que ele pessoalmente observou na maioria da comunidade científica, no que se refere a ideias, análises ou propostas que questionem, de algum modo, os trabalhos de Einstein; certa ênfase deve ser dada aqui aos trabalhos de Einstein relacionados à relatividade.
    Tal efeito, abreviado pelo professor Domingos de “EEF”, sugere que, em certa medida, nós, físicos – cientistas – agimos, talvez inconscientemente, em desencontro com a premissa inicial do nosso trabalho científico, a saber: considerar algum tipo de questionamento as nossas “convicções” a respeito do funcionamento da natureza, ou da descrição que a ela damos com a Física. Deixando de lado a problemática filosófica a respeito da disputa idealista versus realista, do que a natureza de fato é, ou do que pode ser apreendido dela,
    Domingos cita o próprio Einstein e a sua admiração para com Newton, ao dizer que, mesmo o admirando como o maior expoente da Física em sua época “Einstein ousou, um dia, contrariar Newton”. O professor Domingos defende que o verdadeiro espírito de Einstein vive nas pessoas que consideram, de alguma forma, questionar, por em análise e, principalmente, refletir, a respeito do que já está cristalizado no seu horizonte de ideias, ao invés de concretar-se completamente com os padrões já estabelecidos.
    No artigo encontramos uma breve descrição da resenha que o próprio professor Domingos realizou ao ler o livro “Mecânica Relacional” do professor André K. T. Assis. Considerada por alguns autores como “inconsequente”, bem como, o próprio trabalho do professor André considerado pelos mesmos autores como errado, a resenha escrita pelo professor Domingos atestava apenas para a relevância histórica e conceitual do trabalho do professor André, reconhecendo sua limitação teórica atual, porém, a reconhecendo pelo papel geral a que se propôs.
    Acredito que seja pertinente, a partir dos apontamentos do professor Domingos, uma leitura do artigo anexado abaixo, para aqueles que se interessaram pelo assunto. Além disso, pessoalmente, recomendo aos mais interessados uma leitura do próprio livro “Mecânica Relacional” do professor André. O livro encontra-se facilmente disponível para download gratuito na internet. É uma leitura fascinante!

    PS: Pessoalmente, acredito que o professor Domingos observa com o EEF um comportamento bastante geral na Física. Acredito que, por verificação natural do seu papel no conhecimento humano, a ciência deve, em primeira análise, permitir reflexões. Reflexões, não negações. Para que não se alimente o assustador fenômeno do Negacionismo Científico que vemos ocorrer de forma alarmante e perigosa atualmente. Contudo, humildemente, convergindo com a crítica do professor Domingos, acredito que é razoável a tentativa de embutirmos menos do EEF e mais do verdadeiro espírito de Einstein, em nossas formas de ver e lidar com a ciência. Atentando para a linha, possivelmente tênue, entre uma maior reflexão e aceitação de ideias alternativas às estabelecidas, e o Negacionismo; tão danoso ao trabalho genuíno que, por amor, nós desenvolvemos.

    http://lilith.fisica.ufmg.br/~dsoares/einstein/evive.htm

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