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Expansão do universo mais rápida do que a luz – II

Bom dia, professor,
gostei da sua explanação em  Expansão do Universo mais rápida do que a luz. Esse é um assunto que me interessa, e tenho muitas dúvidas. Por exemplo, no caso em apreço, o “modelo” do atilho, há uma ligação entre os pontos no atilho e o atilho, propriamente dito. Uma ligação física, quero dizer. agora, entre o espaço e um galáxia (ou qq outro corpo celeste)… não consigo ver isso. Por ex., suponhamos que o espaço entre a Terra e a lua se expanda: por que a lua (ou a Terra, ou ambas) seriam “arrastadas” por ele? Qual a “ligação” (física) entre o espaço e os corpos celestes? Se hovesse tal ligação, como a Terra orbitaria em volta do sol (à distância média constante)? E se o espaço entre o sol e a terra se expandisse, por que ambos se afastariam? Espero ter sido claro. Muito obrigado!

Poderias dar uma resposta? Não há pressa.

Respondido por: Prof. Emérito Horacio Dottori - Depto. de Astronomia do IF-UFRGS

Caro aluno: lembre que de início falei no “valor heurístico” do exemplo do atilho (O que significa heurístico?  Estratégias heurísticas são aquelas  empregadas em processos cognitivos que ignoram parte da informação com o objetivo de tornar a compreensão do fenômeno mais fácil e rápida. Adaptado da https://pt.wikipedia.org/wiki/Heurística).

Não procure fazer uma identificação total da analogia entre um atilho, ou um balão que se infla, com o Universo. Na resposta à pergunta inicial, ele serviu tão só para entender a lei de Hubble e ver como não viola o postulado da Teoria Especial da Relatividade o  fato de que os pontos do meu horizonte se movimentem com a velocidade da luz em relação a mim.

No Universo real eu observo a expansão de Hubble através do efeito Doppler. Também observo os movimentos locais produzidos pela interação entre os corpos, no sistema solar, nos aglomerados estelares, nas galáxias, nos aglomerados de galáxias, etc. Estes movimento são devidos à força de gravitação entre os corpos. Mas, este não é o único efeito da Gravitação Universal. Segundo a teoria da Relatividade Geral, a distribuição de matéria também determina a estrutura do próprio espaço-tempo e pela sua vez esta estrutura determina como as partículas se movem no espaço-tempo. Esta é a ligação física entre a matéria e o espaço-tempo embutidas nas equações da Relatividade Geral de Einstein.

Não existe uma “arena” onde se desenvolve a dança dos corpos celestes, a estrutura desta própria arena é determinada pela densidade e distribuição desta matéria cósmica. A presença de matéria  muda localmente a curvatura global e pode superar, localmente, a expansão de Hubble, como no caso do Sol e os planetas, de forma muito mais sutil e menos dramática que o dos Buracos Negros.

Um exemplo recente muito noticiado foi o da primeira detecção de Ondas Gravitacionais, produzidas pela fusão de dois Buracos Negros. Estas fizeram oscilar a forma (deformaram) da Terra quando por aqui passaram. Claro que são efeitos ultra microscópicos que só podem ser detetados no atual estágio de desenvolvimento da civilização, por causa dos avanços tecnológicos embutidos no detectores do LIGO. Sobre a detecção das ondas gravitacionais: OG1 e OG2.

Agora, voltando ao exemplo do atilho, há um par de coisas que você não analisou em profundidade.

Embora as partículas do atilho pareçam quietas, na verdade elas estão oscilando em torno de posições, isto porque o atilho está a temperatura ambiente. Se você esfria o atilho a temperaturas muito baixas (o freezer da geladeira não é suficiente), ele quebrará quando tentar esticá-lo. Essa flexibilidade da borracha do atilho deve-se à existência de forças de atração de origem elétrica entre as partículas do atilho, semelhante às que existem dentro de qualquer sólido, só que menos intensas, por isso existe a elasticidade no atilho, maior que num pedaço de aço sólido e menor que num líquido. Quando eu estico o atilho, estou impondo uma força externa (seria o equivalente à expansão do Universo) e as forças entre as partículas do atilho vão resistir, como resiste a gravitação à expansão do Universo, só que no Universo não há matéria suficiente para frear a expansão. Uma experiência interessante seria congelar a borracha a medida que esta está-se expandindo, ela ficaria mais rígida, porque a força entre as partículas iria aumentando, até o ponto que quebraria o atilho, ou eu não mais tivesse força para expandi-lo.

Esta pequena digressão só pretendeu mostrar que os fenômenos envolvem aspectos mais amplos do que a nossa imaginação percebe. Espero que ajude a ampliar o horizonte da sua curiosidade e  lhe motive a procurar material mais e mais avançado e naturalmente a estudar Física. Deve ter paciência, porque os temas são complicados e alheios ao nosso cotidiano, por tanto fora da nossa intuição. Por isso requerem  muito estudo, dedicação e fundamentalmente imaginação para chegar à sua compreensão.


3 comentários em “Expansão do universo mais rápida do que a luz – II

  1. Pedro zanotta disse:

    Obrigado, professor. O assunto, realmente é fascinante e, com certeza, envolve aspectos que são de difícil apreensão, já que são descritos, basicamente, por modelos matemáticos, que demandam muito estudo para que possam ser compreendidos nos seus detalhes. Sinto o desafio e espero poder superá-lo.
    Obrigado, mais uma vez.

  2. Pedro zanotta disse:

    Prezado prof,
    não querendo abusar de sua paciência, gostaria só de expor mais uma dúvida: na sua resposta, está dito que, localmente, é possível superar a expansão de Hubble. Por isso que a s estrelas da gGaláxia não se afastam uma das outras; por isso que o grupo local se mantem etc. Mas, no início do Universo, as galáxias estavam muito mais próximas entre si que hoje em dia. Este acúmulo de matéria, não teria freiado a expansão de Hubble como um todo? Obrigado.

    • Fernando Lang disse:

      RESPOSTA DO PROF. HORACIO DOTTORI:

      A pergunta proposta é procedente. Entre as infinitas soluções das equações de Einstein existe este tipo de solução. Só que se você está vendo o Universo no seu estado atual é obviamente porque a gravitação, fatalmente atrativa, não se sobrepôs a expansão primordial!

      Nos estágios mais densos a matéria está também mais quente por tanto está mais agitada. Antes dos 500 mil anos de vida, O Universo está a temperaturas maiores que 1500 K e a matéria está em equilíbrio com a radiação (o que chamamos radiação de fundo de céu que hoje está a 3 K). Comporta-se, poderíamos dizer, como um gás perfeito, mais comprimido, mais denso, mas também mais quente. As primeiras condensações (estrelas muito massivas que começam a processar o Hidrogênio primordial em Hélio) aparecem após 400 milhões de anos e as primeiras galáxias após 1 bilhão de anos. Existe uma fase primordial após o Big Bang, chamada inflacionária, que dura uma fração pequeníssima de segundo na qual Universo expande-se trilhões de trilhões de vezes.

      Veja a figura do curso do professor Melendez da USP, obtida da NASA/WMAP Science Team: https://goo.gl/kAxoyX, disponível em: http://mega-planeta.blogspot.com.br/2015/07/como-surgiu-o-universo.html.

      Também pode ler no livro Astronomia e Astrofísica http://astro.if.ufrgs.br/livro.pdf de Kepler de Souza Oliveira Filho (S.O. Kepler) e Maria de Fátima Oliveira Saraiva.

      Ou seja, a gravitação só pode formar as estruturas mais densas, como estrelas e galáxias, localmente, após os tempos mencionados que é quando as pequenas flutuações de densidade tornam-se mais e mais relevantes até atingir seu valor crítico que permite formar as estrelas e depois as galáxias.

      Att.
      Horacio

      Bons livros de divulgação para ter uma visão do assunto são:
      Marcelo Gleiser: “A Dança do Universo” e “ Micro Macro, reflexões sobre o Homem o Tempo e o Espaço”
      Martin Rees:”Seis números, ou as Forças que Moldaram o Universo”
      Stephen Hawking: “Uma Breve História do Tempo: Do Big Bang aos Buracos Negros”

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