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Equivalência dos campos magnéticos e elétricos na relatividade

Olá! Ao ver uma questão sobre condutores, me lembrei de uma suposta demonstração de que os campos elétrico e magnético são equivalentes no âmbito da teoria da Relatividade Restrita, mas ao acompanhar a prova, senti que o argumento é assimétrico, e me pareceu falso. O desenvolvimento usava um referencial solidário aos elétrons num condutor e daí progredia usando as densidades de cargas corrigidas pelo efeito da contração relativística do comprimento ao longo do movimento, daí resultando numa contração de volume e por comparação parecia haver um campo elétrico resultante que atraísse ou repelisse uma carga externa, campo esse que visto do ponto de vista do repouso seria um campo magnético. Sinto como se esta prova estivesse errada porque a) parece sugerir que de uma correção relativística se poderia fazer criar uma carga líquida num condutor neutro e b) parece ignorar a situação inversa, usando o referecial do condutor. Este argumento é aceitável como prova de que os campos são equivalentes. Note-se que não estou contestando a afirmação teórica, mas sim essa suposta prova. Agradeço antecipadamente. Eduardo Lauande

Respondido por: Prof. Luiz Fernando Ziebell - IF-UFRGS

Começamos salientando que os eventos físicos ocorrem em determinadas posições do espaço e em determinados instantes do tempo. Um observador em um dado referencial caracteriza onde e quando os eventos ocorrem, usando as componentes (x,y,z) para marcar a posição e uma coordenada t para marcar o tempo.

A Teoria da Relatividade Restrita se preocupa em descrever como se modificam as descrições dos sistemas físicos, quando se faz uma mudança de um referencial para outro que esteja em movimento uniforme relativamente ao primeiro (referenciais inerciais). A Teoria se ampara em dois postulados, que são: 1) As leis da física são as mesmas em todos os referenciais inerciais. 2) A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor em todos os referenciais inerciais, sendo independente do movimento da fonte.

Com o uso destes postulados, mostra-se que as coordenadas de espaço e tempo dos eventos são modificadas de um sistema inercial para outro de acordo com as chamadas transformações de Lorentz. Essas transformações nos dão as relações entre as coordenadas (x,y,z,t) que caracterizam um evento em um certo referencial inercial (S), e as coordenadas (x’,y’,z’,t’) que caracterizam o mesmo evento em outro referencial inercial (S’), movendo-se com velocidade uniforme em relação a S.

Ocorre que não são apenas as coordenadas de posição e tempo que são modificadas quando se passa de um referencial a outro em movimento relativo. Outras grandezas físicas também são diferentes para os diferentes observadores. Por exemplo, as densidades de carga e corrente. É fácil perceber, por exemplo, que se existirem apenas cargas em repouso no sistema S, teremos nele uma densidade de cargas não nula e densidade de corrente nula. Por outro lado, um observador no sistema S’ verá as mesmas cargas em movimento, e portanto no sistema S’ haverá também densidade de correntes não nula. As transformações de Lorentz também se aplicam às densidades de cargas e correntes, e mostram não somente que em S’ será observada uma densidade de corrente, como também que a densidade de cargas fica modificada em relação ao que era observado no sistema S. Mas é importante salientar que, embora as densidades de carga e de corrente fiquem modificadas em diferentes referenciais em movimento relativo, a carga é uma quantidade invariante, a mesma em todos os referenciais.

Os campos elétricos e magnéticos também são diferentes para observadores em sistemas inerciais diferentes, como se pode ver considerando uma situação bem simples, similar à que já foi considerada acima. Se houver uma carga em repouso no sistema S, haverá no entorno dela um campo elétrico, e campo magnético nulo. O observador em S’ verá essa carga em movimento, e observará a existência tanto de um campo elétrico quanto de um campo magnético.

Outra situação relativamente simples envolve a presença de uma espira conduzindo corrente, em repouso no referencial S. Vamos supor a espira retangular, por simplicidade. Em S a espira é neutra, e no entorno dela existe apenas campo magnético, sem campo elétrico. Vamos considerar agora um referencial S’, em movimento com velocidade constante ao longo de uma direção paralela a um dos lados da espira (isso não é essencial, é apenas para simplificar a análise). Aplicando as transformações relativísticas, veremos que do ponto de vista de S’ em um dos lados paralelos à direção do movimento existe uma densidade de carga negativa e no outro lado paralelo uma densidade de carga positiva (em um deles a corrente é paralela ao movimento, e no outro é anti-paralela). Nos lados perpendiculares ao movimento não há carga líquida. A espira como um todo continua com carga total nula. Como resultado, em S’ há no entorno da espira um campo magnético, mas também um campo elétrico.

Essas mudanças nas grandezas físicas, considerando o ponto de vista de diferentes observadores em referenciais inerciais, são rigorosamente previstas pela Teoria da Relatividade Especial. A aplicação da Teoria mostra também que a quantidade E²-c²B² é uma quantidade invariante. Ou seja, observadores em sistemas inerciais diferentes perceberão campos elétricos e/ou magnéticos diferentes, mas E²-c²B² tem o mesmo valor para todos os referenciais inerciais.

Esse invariante tem uma consequência importante. Voltando ao nosso exemplo de um sistema em que existe apenas uma carga em repouso, nele existe um campo elétrico não nulo e campo magnético nulo. A quantidade E²-c²B² é positiva nesse sistema, e como é invariante será positiva em todos os sistemas inerciais. Isso significa que em outros sistemas em movimento relativo haverá um campo magnético e um campo elétrico diferente do que era percebido em S, mas em nenhum referencial o campo elétrico associado a essa carga será nulo, pois isso significaria que nesse referencial a quantidade E²-c²B² seria negativa.

Por outro lado, se no referencial S existe uma espira de corrente, neutra, que produz campo magnético e cujo campo elétrico é nulo, nesse sistema teremos E²-c²B² menor do que zero no entorno da espira. Portanto, em todos os outros referenciais em movimento relativo essa quantidade terá que ser negativa no entorno da espira, o que quer dizer que neles pode ser visto um campo elétrico (porque a densidade de cargas é diferente do que era em S, como já explicamos), mas sempre deve existir um campo magnético, tal que c²B’²>E’².

Sumarizando: O que é percebido em um referencial como campo elétrico será visto em outro referencial em movimento relativo como um campo elétrico e um campo magnético. O que é percebido em um referencial como campo puramente magnético será visto em outro referencial como campo elétrico e campo magnético, combinados. Mas nenhum movimento relativo vai fazer com que um campo elétrico se transforme em um campo unicamente magnético, bem como nenhum movimente relativo vai fazer com que um campo magnético se transforme em um campo puramente elétrico. Essas afirmativas não são conjeturas, nem casos particulares obtidos em alguma situação física em particular. São afirmativas matematicamente provadas no contexto da Teoria da Relatividade Restrita.

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4 comentários em “Equivalência dos campos magnéticos e elétricos na relatividade

  1. Kaique Fernandes disse:

    Ola professor, não sei se é correto em pensar nisso, mas o campo elétrico variável é um equivalente ao campo magnético variável por mudança de referencial? Uma dúvida a que me remete também em cima disso é: a natureza intrínseca do spin é uma consequência da relatividade quântica? E há uma correlação entre o experimento de Young e o experimento de Stern-Gerlach?

  2. Caio Ferrari disse:

    Estou com uma dúvida equivalente.
    Assisti um video que explica, segundo a relatividade restrita, a existência de força magnética em uma carga andando paralela à um fio percorrido por corrente.

    Explicação do vídeo:
    Suponha um fio horizontal, no qual os elétrons deslocam-se para a direita. Paralela ao fio, uma carga positiva é deslocada para a direita, com a mesma velocidade dos elétrons, para motivo de simplicidade. A carga externa, portanto, vê os elétrons do fio parados e os prótons deslocando-se para a esquerda. Estes prótons serão vistos contraídos (Lorentz). Assim, a carga externa “vê” o fio positivamente carregado e será repelida do fio. Se descrevêssemos o campo magnético gerado pela corrente elétrica no fio, chegaríamos a mesma conclusão: A carga externa em movimento seria repelida do fio.

    Até aqui, tudo vem.

    Porém, tentei transpor este argumento para a seguinte situação:
    A carga externa está parada, vendo os elétrons no fio se movimentarem para a direita. Essas cargas sofrerão a contração de Lorentz. e portanto, eu teria uma densidade de elétrons superior à densidade de prótons. Assim, a carga externa, positiva, seria atraída pelo fio percorrido percorrido por corrente.

    Mas, sabemos que isso não ocorre. Uma carga parada nas vizinhanças de um fio percorrido por corrente não sofre ação de forças.

    Qual foi o meu erro ao transpor o argumento da primeira situação (carga andando) para a segunda situação (carga parada) ?

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