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Qual é a temperatura máxima que um corpo que absorve radiação solar poderia atingir?

O Prof. Fernando Kokubun (FURG) jocosamente pediu minha opinião no Facebook sobre uma notícia publicada em São Luiz Gonzaga – RS no dia 18/01/2016:

“Uma cena incomum intrigou e assustou os moradores do Centro de São Luiz Gonzaga hoje (18) ao meio dia. “Vimos uma fumaça em cima do prédio e pensamos que era um incêndio”, disse uma moradora das proximidades. “Chamamos os bombeiros rapidamente”, completou. Os bombeiros chegaram ao endereço e ficaram intrigados com o que viram: a água da caixa d’água estava literalmente fervendo, por causa do calor. “A fumaça que os vizinhos visualizaram era o vapor que saía da caixa”, disse o bombeiro …” Mais sobre o tema em Água ferve em caixa d’água em São Luiz Gonzaga

caixa_agua

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

O que se vê na foto é obviamente fumaça saindo da chaminé abaixo da caixa de água. Adicionalmente é IMPOSSÍVEL que em um reservatório nestas condições a temperatura da água pudesse atingir o ponto de ebulição  a 1 atm, isto é, 100 graus C.

A prova da impossibilidade pode ser feita por mais de uma maneira. Inicialmente imaginemos uma caixa de água de 1000 L, recebendo radiação solar sobre uma área de 1 m^2.  Um superestimativa potência da radiação solar sobre esta área é 750 W ou cerca de 180 cal/s. Supondo que toda esta potência seja utilizada para aquecimento da água (desprezando-se portanto perdas de energia para o entorno) é fácil provar que a elevação da temperatura da água em uma hora seria menos de 2 graus C. Portanto é IMPOSSÍVEL que em poucas horas a temperatura da água se eleve até o seu ponto de ebulição.

Outra maneira de provar a impossibilidade é por responder a pergunta: Mas afinal qual é a temperatura máxima possível para um corpo que absorve radiação solar na intensidade com a qual ela chega ao nosso planeta?

Se imaginarmos uma placa, acima da atmosfera terrestre, interceptando a radiação solar perpendicularmente à direção dos raios solares no vácuo (portanto impossibilitando perdas de energia por convecção) e longe de qualquer outro objeto, pode-se demonstrar que a temperatura da placa, se a intensidade é igual a constante solar de 1360 W/m^2, não ultrapassará cerca  de 330 K ou cerca de 57 graus C. Este resultado é válido para uma placa independentemente do seu coeficiente de emissividade térmica. Este é um belo e simples problema de aplicação da Lei de Stephan-Boltzmann para a radiação de corpo negro. Nesta temperatura a potência térmica irradiada pela placa nas duas faces é igual a potência absorvida graças à incidência da radiação solar.

Se imaginarmos que apenas a face voltada para o Sol irradia, a temperatura seria cerca 393 K ou 120 graus C. Não é mera coincidência que esta é aproximadamente a temperatura máxima na superfície da Lua.

Esta mesma placa na superfície da Terra receberia radiação solar com intensidade máxima de 750 W/m^2. Estando em ambiente aberto, como o reservatório de água, ao se elevar a sua temperatura acima da temperatura ambiente ela perde energia para o entorno não apenas por radiação mas também de forma importante por convecção. A temperatura máxima que ela pode atingir dependerá de quão boa absorvente ela seja da radiação solar (isto é, do seu coeficiente de emissividade térmica), tendo valores semelhantes aqueles registrados em ruas pavimentadas com asfalto, ou seja, cerca de 70 graus C. Assim sendo a caixa de água de São Luiz Gonzaga NUNCA poderia atingir a temperatura de ebulição da água.

A única forma de se obter temperaturas altas graças à radiação solar é  por usar fornos solares que coletam a radiação sobre uma área grande, a concentrando em uma área pequena para assim aumentar localmente a intensidade da radiação. É o caso do forno em Odeillo (figura abaixo) que atinge 3500 graus C. Um cálculo simples mostra que a área deste espelho coletor deve ser no mínimo MIL vezes maior do que a área sobre a qual a radiação é concentrada. O limite superior de temperatura em fornos desse tipo é a temperatura da fotosfera solar, cerca de 5800 K.

fornosolar

Outra postagem relacionada a este tema: Temperatura da sonda Parker em sua máxima aproximação do Sol

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 

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