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Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?

Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?

Por que o atrito não depende da área de contato do corpo? Pesquisei em alguns lugares mas eu não consigo achar o por quê, alguém pode me ajudar?

Pergunta originalmente feita em http://br.answers.yahoo.com/question/ .

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Para responder a pergunta considerarei que ela se refere à força de atrito entre duas superfícies sólidas, por exemplo, a superfície de uma caixa em contato com um assoalho. Leonardo da Vinci (1452-1519), ao estudar experimentalmente o atrito nas circunstâncias explicitadas acima, constatou experimentalmente que o VALOR MÁXIMO da força de atrito entre as duas superfícies é independente da área de contato mas depende da intensidade da força de compressão entre as duas superfícies (força normal às superfícies em contato) e da natureza das superfícies (entenda-se, do material do qual são feitas ambas as superfícies, do grau de polimento de ambas as superfícies. …). Este resultado de independência com a área de contato é contraintuitivo e se constituiu em um resultado de medidas cuidadosas para o qual não havia uma explicação simples. Vide um artigo sobre os experimentos de Leonardo da Vinci em tribologia aqui.

A ciência que estuda o fenômeno do atrito é denominada de TRIBOLOGIA. Cientistas posteriores a Leonardo, como por exemplo Charles Augustin Coulomb (1736 – 1806), confirmaram os seus resultados experimentais. A teoria sobre o que acontece em nível microscópico com as interações por atrito é um campo de pesquisa atual em física. Um modelo explicativo simples para esse interessante e contraintuitivo resultado experimental da independência da máxima força de atrito  com a área de contato passa pelos seguintes pressupostos:

1- A área de contato EFETIVA em nível microscópico entre os dois sólidos é muito menor do que a área APARENTE (área em nível macroscópico tomada como área de contato) pois os dois corpos se tocam apenas em alguns “pontos” (pequenas superfícies) dessa área. A Figura 1 mostrando dois pedaços de espuma se tocando em apenas em algumas regiões auxiliam a entender esta ideia.

2- A intensidade máxima da força de atrito depende do número de “pontos” de contato entre os dois sólidos, ou dizendo de outra maneira, depende da área EFETIVA e não da área APARENTE.

3 – A área EFETIVA de contato, mantida a área APARENTE constante, é diretamente proporcional à intensidade da força de compressão (força normal à superfície de contato). Dizendo de outra forma, mantida a área APARENTE constante, a área EFETIVA aumenta conforme aumenta a pressão.

Imaginemos agora o seguinte, num caso em que a intensidade da força normal à superfície de contato seja mantida constante. Ao diminuirmos a área APARENTE, aumentamos a pressão. Ao aumentar a pressão, aumentaria proporcionalmente o número de “pontos” de contato caso a área APARENTE não tivesse sido diminuída. Como, por suposição, a área APARENTE diminuiu, o número total de “pontos” de contato PERMANECEU CONSTANTE. Permanecendo constante o número total de “pontos” de contato, a intensidade máxima da força de atrito É CONSTANTE. Conclusão para este modelo: de fato a intensidade da máxima força de atrito depende da área EFETIVA de contato que permanece constante quando a área APARENTE diminui ou aumenta, desde que mantida constante a intensidade da força normal. Ou seja, em nível microscópico o modelo vai em acordo com a nossa intuição: a força de atrito máximo depende da área, desde que a área considerada seja a área EFETIVA e não a área APARENTE.

Um último comentário para terminar: existem muitas razões importantes para se desejar que a largura dos pneus de um automóvel de corrida seja maior do que a dos pneus convencionais. Entretanto a intuição das pessoas reduz erroneamente essas razões apenas a um suposto ganho em força de atrito. Vide A largura dos pneus de Fórmula 1.

Caso deseje se informar mais sobre atrito e resistência ao rolamento em pneus acesse Por que os pneus de algumas bicicletas operam com pressão tão alta?

Mais sobre atrito e resistência ao rolamento em pneus em A Física dos Pneumáticos.

Outras postagens sobre atrito: Atrito

“Docendo discimus.” (Sêneca)
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Considerações ao do prof. Alexandre Medeiros (UFRPe) pelo FB em 10/04/2013 

Alexandre Medeiros: Realmente a justificatica microscópica das peculiaridades da força de atrito NÃO é simples. Eu também aprendi, nos anos 60 e 70, no velho Sears e no Halliday essa metáfora da pressão influenciando a quantidade dos pontos de contato.

Alexandre Medeiros: Mas, parece que a coisa é bem mais complexa e precisa incluir também a adesão muitas vezes ocorrida. De toda forma, gostaria de mencionar DOIS TEXTOS sobre o assunto. O primeiro é básico e com uma pequena introdução histórica sobre o ATRITO: Bhushan, B. “Tribology: Friction, Wear, and Lubrication.ftp://idc18.seu.edu.cn/Pub2/EBooks/Books_from_EngnetBase/pdf/8576/Section04/ch21.PDF

Alexandre Medeiros: O segundo texto, de outubro de 1996, constitui um marco na moderna compreensão do ATRITO e no seu até então insuspeito relacionamento com a criação de ondas sonoras. Trata-se do influente artigo da JACQUELINE KRIM saido na Scientific American: FRICTION AT ATOMIC SCALE. http://www.physics.ncsu.edu/nanotribology/publications/ref58.pdf

Alexandre Medeiros: Um livro mais recente (2002) que reune tanto as explicações clássicas do ATRITO (aquela coisa da pressão e dos pontos de contato) quanto as que envolvem a Mecânica Quântica, além de conter um ÓTIMO HISTÓRICO do tema é o do Meyer et al: NANOSCIENCE: FRICTION AND RHEOLOGY ON NANOSCALE. http://www.amazon.com/Nanoscience-Fricti on-Rheology-Nanometer-Scale/

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 21680.


2 comentários em “Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?

  1. Marcos Bukão disse:

    Bom dia professor. Eu também sou engenheiro mecânico e tenho um canal no YouTube sobre motocicletas. Foi até engraçado porque perdi um monte de inscritos porque tive a ” ousadia ” de dizer que colocar um pneu mais largo numa moto ou num carro não aumenta em NADA o atrito do pneu com o solo e que não modifica em NADA a capacidade de fazer uma curva ou de frenagem. Na cabeça das pessoas é praticamente impossível entenderem que um carro de formula 1 ou uma moto GP tem pneus mais largos apenas por uma questão de coeficientes de carga e velocidade capazes de suportar o regime que precisam suportar nessas competições. E quase me mataram quando disse que no dia que a tecnologia permitir pneus mais finos que suportem esses esforços, veículos de competição terão pneus mais finos e farão tempos melhores na pista.

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