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Modelo usual para o rolamento sem deslizamento não explica a parada do corpo que rola

Prof. Lang

Fiquei surpreso com um comentário seu em conversa no corredor do IF durante o V EEFIS.

Se eu entendi bem o senhor disse que o modelo de rolamento sem deslizamento usualmente apresentado em livros de Física Geral não consegue explicar que um corpo rolando sobre uma superfície horizontal vá ao repouso. Parece-me tão óbvio que havendo atrito entre a superfície de rolamento e o corpo que rola, mesmo que não houvesse resistência do ar, o corpo que rola acabaria parando.

O senhor poderia explicar o seu comentário? Se eu o compreendi mal me desculpe.

Lá na hora não houve tempo de conversar com o senhor sobre isto.

Abraços

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

De fato o único modelo para o rolamento sem deslizamento que é desenvolvido nos textos de Física Geral, seja de ensino médio, seja de ensino superior (salvo exceções) , NÃO explica que um corpo rolando sobre uma superfície horizontal e interagindo apenas com esta superfície (estando também em presença de campo gravitacional) perca sua energia cinética e acabe por parar.

 

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Vejamos como é tal modelo. O modelo admite que um corpo RÍGIDO com periferia circular esteja apoiado em uma superfície plana e RÍGIDA. Desta forma o contato do corpo com a superfície se dá em um ponto (corpo esférico) ou em uma reta (corpo cilíndrico).

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As forças exercidas pela superfície no corpo estão, portanto, necessariamente aplicadas no contato.

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As forças exercidas pela superfície de rolamento no corpo são a força normal à superfície e a força de atrito ESTÁTICO (se o rolamento é sem deslizamento). Lembremos que uma força de atrito estático pode ter qualquer valor entre zero e um valor máximo dado pelo produto da intensidade da força normal e o coeficiente de atrito estático. A força de atrito estático pode ter qualquer orientação paralela à superfície de rolamento.

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Para demonstrar que este modelo NÃO explica a perda de energia cinética que sabemos acontecer em um corpo que foi posto a rolar e, posteriormente, nenhuma outra ação lhe foi exercida, além da gravitacional e das ações exercidas pela superície  de rolamento, consideraremos uma primeira possibilidade: O corpo se move originalmente para a direita e a força de atrito é exercida para a esquerda.

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Portanto se admitirmos que a força de atrito tem orientação contrária à translação do corpo que rola chegamos ao absurdo de que a velocidade de rotação em torno do centro do corpo AUMENTA enquanto a velocidade de translação diminui.

A outra possibilidade a ser considerada então é que  força de atrito seja exercida no mesmo sentido da translação. Esta segunda possibilidade também conduz a um absurdo, qual seja, freando a rotação com atrito AUMENTA a velocidade de translação. 

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A forma de escapar dos dois absurdos neste modelo é admitir que apesar de o coeficiente de atrito não ser nulo, a força de atrito é nula.

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Mas sendo nula a força de atrito, o corpo que rola terá VELOCIDADE CONSTANTE! 

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Desta forma fica evidente a limitação do modelo pois tal modelo não permite perdas de energia mecânica e implica em um movimento com velocidade constante que sabemos NÃO acontecer na realidade.

Para dar conta das perdas de energia mecânica no rolamento sem deslizamento se deve sofisticar o modelo, incorporando ao mesmo a possibilidade de que o corpo que rola e/ou a superfície de rolamento NÃO sejam rígidas. Ao incorporar ao modelo deformações o corpo que rola poderá apresentar RESISTÊNCIA AO ROLAMENTO, não devendo esta  ser confundida com ATRITO.

Na seção II e III do artigo abaixo referido poderás ter mais informações sobre a RESISTÊNCIA AO ROLAMENTO.

Potência de tração de um veículo automotor que se desloca com velocidade constante disponível no Research Gate.

Ou seja, um modelo mais realístico para o rolamento sem deslizamento incorporará deformações e introduzirá um novo conceito, o de RESISTÊNCIA AO ROLAMENTO.

Vide também o artigo A Física dos pneumáticos disponível no Research Gate.

Outras questões tratando tema:

A largura dos pneus de Fórmula 1

Modelagem dinâmica de uma roda tracionada

Por que os pneus de algumas bicicletas operam com pressão tão alta?

Modelo usual para o rolamento sem deslizamento não explica a parada do corpo que rola

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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4 comentários em “Modelo usual para o rolamento sem deslizamento não explica a parada do corpo que rola

  1. Carlos disse:

    Muito instrutivo o site. Parabéns.
    Eu gostaria de acrescentar que no rolamento sem deslizamento o ponto que está em contato com o chão está sem movimento relativo ao chão e assim com um certo valor de força de atrito estática que como bem explica este texto somente pode ser nula. Porém isto somente acontece após atingir o rolamento sem deslizamento, pois se imaginamos que a roda estava inicialmente girando no espaço entorno a seu eixo de simetria e a colocamos no chão, precisamente será a força de atrito que faz a roda iniciar seu movimento de translação no sentido de uma força de atrito contrária ao giro da roda em relação ao chão. Este movimento de translação é somado ao movimento de rotação levando ao rolamento sem deslizamento. Desta forma, a força de atrito para o caso de um roda girando livremente sendo colocada no chão vai de um certo valor até zero ao atingir-se a condição de rolamento sem deslizamento.

  2. Jean de Magalhães Moreira disse:

    Entendo que a força de atrito estática, no caso de rolamento, atua somente quando há diferença entre a velocidade rotacional e translacional, a fim de igualar as duas. Isso se dá porque, no ponto de contato entre o corpo e o solo, a velocidade é nula, em face da velocidade rotacional, em relação à velocidade translacional, ser igual em módulo mas com direção contrária.

    No caso do rolamento em plano horizontal, não há tal diferença, de modo que a força de atrito é nula.

    No caso de rolamento em plano inclinado, a força da gravidade tende a aumentar a velocidade translacional, então a força de atrito deve exercer uma força no corpo de modo a aumentar a intensidade de velocidade rotacional. Com isso, é possível entender o porquê da sua direção.

    No caso da bola de futebol em rotação no ar, que é colocada no solo, a força de atrito estática, da mesma forma, atua para igualar o módulo da velocidade rotacional e da velocidade translacional (inicialmente nula).

    • Fernando Lang disse:

      Não há como comparar velocidade rotacional (velocidade angular) com velocidade translacional (velocidade linear)! Se estás dizendo que a velocidade linear na região do contanto não é nula, então não vale o atrito estático mas o dinâmico.

      No caso do rolamento em plano horizontal, não há tal diferença, de modo que a força de atrito é nula.” Sim, isso é verdade e então se desprezarmos a resistência do ar o corpo não para e portanto é o que está na postagem. Mas rolamentos reais param devido a resistência ao rolamento.

      No caso da bola de futebol em rotação no ar, que é colocada no solo, a força de atrito estática, da mesma forma, atua para igualar o módulo da velocidade rotacional e da velocidade translacional (inicialmente nula).” Neste caso não vale o atrito estático, o atrito é dinâmico pois há movimento relativo na região de contato.

      Sugiro entre tantas postagens que tratam desse tema no CREF a seguinte: Qual a razão de a orientação da força de atrito com a pista de rolamento poder ser diferente nas duas rodas de uma bicicleta?

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