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Evidência de que a força de atrito (in)depende da área de contato no Manual do Mundo?

Oi Lang,

Hoje na aula comentamos sobre atrito estático, e como motivação para a aula assistimos os vídeos do Manual do Mundo:   http://www.youtube.com/1 e http://www.youtube.com/2

Você já comentou no CREF que o atrito não depende da área (Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?) então qual seria a melhor explicação para este fenômeno, posso dizer que quando colocada uma folha sobre a outra, diminuo a pressão pois não tem ar entre elas ficando a pressão externa maior ou tem relação com a Normal.  Abraço.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Para começar quero destacar que os dois vídeos, como muitos outros do Manual do Mundo, são muito bons.

Entretanto a explicação oferecida pelo Iberê para o instigante efeito induz a reforçar a ideia de que a máxima intensidade da força  de atrito estático DEPENDE da (é diretamente proporcional à)  área de contato entre as superfícies que se atritam. Esta ideia foi descartada por Leonardo da Vinci em seus seminais estudos sobre Tribologia (Ciência do Atrito) por volta de 1500.

Como é bem sabido a máxima intensidade da força de atrito estático depende da força normal e do coeficiente de atrito estático. O modelo usualmente assumido para o comportamento do coeficiente de atrito estático é que ele seja independente da área de contato. E NÃO PRECISAMOS ABANDONAR ESTE MODELO PARA DAR CONTA DO QUE SE OBSERVA NOS VÍDEOS conforme argumentarei a seguir.

Comecemos analisando o que se encontra dentro da região assinalada em preto (figura 1) quando o Iberê estica as cordas que prendeu à lombada dos livros.

Dentro da região de interesse encontramos um “sanduíche” de folhas de papel (figura 2) que interagem se comprimindo mutuamente e exercendo forças de atrito mutuamente.

As setinhas pretas (figura 3) identificam a distribuição da força normal às páginas em contato. A intensidade da força normal exercida por uma página azul sobre a página vermelha em contato com ela, multiplicada pelo coeficiente de atrito papel contra papel (que independe da área de contato conforme o modelo assumido), determina então o valor máximo da força de atrito entre a página azul e a página vermelha. Graças a esta ação de atrito a lombada do livro é tensionada para a direita pela força amarela representada na figura.

Nota-se então que a lombada vermelha do livro é puxada para direita por uma força TOTAL que depende do número de páginas no sanduíche. Na figura acima a intensidade da força TOTAL é sete vezes a intensidade da força com a qual cada uma das sete páginas representadas tensiona a lombada.

Portanto a lombada do livro vermelho é finalmente puxada por uma força com intensidade muito grande comparada com a intensidade da “forcinha” que uma página exerce na lombada. Esta força tensora TOTAL é grande pois as diversas páginas do livro atuam em PARALELO, originando uma grande quantidade de pequenas forças (cada uma delas independente da área de contato entre as página) exercidas em PARALELO.

O equívoco na  explicação do Iberê no vídeo acontece quando ele induz a pensar que a intensidade da força de atrito cresce quando a área aumenta. Quando todas as folhas forem colocadas lado a lado para constituir a grande folha com 32 metros quadrados (referida pelo Iberê no vídeo), as forças normais às diversas folhas é que se associarão em PARALELO (conforme representado na figura 4), resultando em uma enorme força normal. Então, como a intensidade da força de atrito máxima é proporcional à força normal TOTAL sobre toda aquela área, a intensidade da força de atrito máxima crescerá proporcionalmente. Portanto a força de atrito cresceria NÃO porque simplesmente a área cresceu, mas porque junto com área cresceu a força normal TOTAL.

De nada adiantaria aumentar a área MANTENDO A MESMA FORÇA NORMAL. Neste caso não aumentaria a força de atrito! Este equívoco sobre a suposta influência da área na força de atrito (crescimento da força de atrito proporcionalmente à área) acontece em outros contextos, como por exemplo nos pneus dos automóveis. As razões pelas quais os pneus de carros de corrida (por exemplo Fórmula 1) possuem área de contato com a pista de rolamento grande tem outra razão. Mas esta é outra discussão que não farei aqui! Ela se encontra em A largura dos pneus de Fórmula 1

Outras questões do CREF sobre o tema:

Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?

O valor do coeficiente de atrito pode ser maior do que UM?

Por que o coeficiente de atrito estático é maior do que o cinético?

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No dia 16/05/2015 houve mais uma pergunta sobre o tema:

Como mostra o vídeo a seguir, parece ser praticamente impossível separar duas listas telefônicas cujas páginas foram sobrepostas uma a uma. Sabemos que o atrito independe da área de contato, o mesmo aconteceria usando menos área na sobreposição? O quão grande deve ser a força necessária para separar as duas listas? https://www.youtube.com/1  https://www.youtube.com/2

Resposta: A força tensora máxima que as duas listas podem suportar é definida pela tensão de ruptura do papel e pela área da secção transversal das duas listas interpenetradas.

Eu medi uma velha lista telefônica e ela tem 28 cm de altura por 5 cm de espessura. Cada folha da lista mede 28 cm de altura e 22 cm de largura.

Portanto duas listas interpenetradas teriam 28 cm x 10 cm = 280 cm^2 de área perpendicular aos esforços de tensão. Na web encontrei que a tensão de ruptura do papel é cerca de 2 kgf/cm^2. Então as duas listas em conjunto poderiam suportar uma força tensora de cerca de 560 kgf.

Nota portanto que se forem utilizadas listas telefônicas ou livros com menor área transversal, menor será a máxima força tensora de ruptura.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 9774.


Um comentário em “Evidência de que a força de atrito (in)depende da área de contato no Manual do Mundo?

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