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Aumento da massa de um corpo quando este absorve energia

Segundo a fórmula de Einstein sobre equivalência de massa e energia,energia pode virar matéria e matéria pode virar energia,eu gostaria de saber se quando algum corpo absorve energia ele ganha massa,e quando ele perde essa energia ele perde massa?

Respondido por: Prof. Nathan Lima (IF-UFRGS)

A pergunta apresentada é muito interessante e relevante, trazendo à tona questões conceituais e filosóficas da Teoria da Relatividade que valem a pena ser discutidas em algum detalhe.  Ao longo do texto, apesar de tentar oferecer uma resposta satisfatória, reconhecendo a complexidade do assunto, tentarei apresentar referências para que o leitor interessado possa se aprofundar no tema proposto.

Todos nós, de alguma forma, desenvolvemos uma concepção sobre a massa dos corpos ou (mais popularmente) sobre o “peso” dos corpos antes mesmo de aprendermos Física. Como aponta o filósofo Gaston Bachelard (1978), muitos conceitos físicos são anteriores à própria Física, de forma que o aprendizado científico implica necessariamente uma tentativa de superar as intuições primeiras que já desenvolvemos. Não somente isso, mas os conceitos físicos também não nascem “prontos” nem permanecem os mesmos ao longo da história da Física.

No caso do conceito de massa, propriamente, podemos associar sua formalização à Mecânica Newtoniana, o que representa mais de três séculos de história (Kneubil, 2018). Ao longo desse período, principalmente com o desenvolvimento da Teoria Eletromagnética e, posteriormente, com a proposição da Teoria da Relatividade Restrita e Geral o conceito de massa passou estabelecer novas relações com outros conceitos, modificando seu significado original (Jammer, 2000; Kneubil, 2018).

Para entender esse problema em toda sua complexidade, é importante, também, termos em mente que Teorias Físicas, em geral, podem ser descritas a partir de três elementos: seu formalismo matemático (os postulados da teoria), regras de correspondência ( regras que que conectam os postulados aos resultados dos experimentos) e a interpretação da teoria (que tenta explicar o que as equações e os experimentos estão apontando) (Jammer, 1974). Nesse sentido, o problema que estamos discutindo é um problema na interpretação de uma equação da Teoria da Relatividade Restrita. A famosa equação E = mc2 , chamada de equação de equivalência massa-energia, é um caso particular da equação mais genérica obtida no âmbito da Teoria da Relatividade Restrita:

Em que E é a energia, m é a massa, c é a velocidade da luz, e p o momento. No caso do corpo estar em repouso em um determinado referencial, seu momento é zero e a equação se reduz a:

Nosso problema é, agora, entender o que essa última equação quer dizer. Para tanto, devemos lembrar que o conceito de massa no contexto da Mecânica Newtoniana está associado a outros dois conceitos: atração gravitacional e inércia (Kneubil, 2018).  Mais especificamente, podemos medir a massa de um corpo pela “resistência” que ele tem em acelerar quando uma força é aplicada sobre ele. A partir da segunda Lei de Newton, temos:

Ou, analogamente, poderia se definir a massa de um corpo a partir da relação estabelecida entre seu momento linear e sua velocidade:

Dentro da construção newtoniana, a inércia, portanto, está diretamente associada àquilo que tem massa. Entretanto, já na teoria eletromagnética, a radiação eletromagnética, que possui energia mas não possui massa, pode transferir momento, indicando que a inércia poderia ser associada a algo mais genérico do que apenas massa (Kneubil, 2018). Na Teoria da Relatividade Restrita, novamente, há uma confirmação da ideia de que a inércia de um sistema pode ser medida por sua energia:

 Se um corpo perder a energia E em forma de radiação, sua massa sofre uma diminuição E/c². É claro que nada importa se a transformação da energia perdida pelo corpo em energia da radiação é direta ou não, de modo que somos levados às seguintes conclusões gerais: A massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo energético; se a energia sofrer uma variação igual a E, sua massa sofrerá, ao mesmo tempo, uma variação igual a E/c².  (EINSTEIN, 1906 apud Ostermann & Ricci, 2004)

Observa-se que o que está sendo mudado no corpo é sua energia de repouso e, portanto, sua medida de inércia, que pode ser associada, também, com sua massa. A quantidade de matéria, entretanto, não mudou! A equação de equivalência expressa, em um primeiro momento, a equivalência e a proporcionalidade entre a inércia associada a uma determinada energia e à massa.

Assim, por exemplo, imagine que uma partícula elementar 1 possui massa m1 associada a uma energia de repouso E1/c2 , e uma partícula elementar 2  possui massa m2 associada a uma energia de repouso E2/c2 . Quando essas duas partículas se ligam, formando um sistema, há uma energia de ligação assoiada  -El. Qual é a massa do sistema ligado? Não é simplesmente m1 + m2; mas

Ou seja, houve uma mudança na inércia do sistema, mas não há uma mudança, nesse caso, na quantidade de matéria: temos duas partículas, estejam elas isoladas ou ligadas. Na pergunta, o conceito de matéria e massa aparecem misturados, mas, como discutimos, são conceitos diferentes, visto que pode haver alteração de massa, sem alteração da quantidade de matéria.

Existem fenômenos em que há conversão de partículas em fótons, ou seja, matéria é convertida em radiação eletromagnética, como no caso de aniquilamento de partícula-antipartícula. Nesse caso, a energia associada aos fótons é equivalente à soma das massas das partículas multiplicada por c². Novamente, o que a equação estabelece é uma equivalência inercial entre massa e energia e não matéria e energia.

Assim, um, corpo ao absorver ou emitir radiação, tem sua massa alterada sem haver necessariamente alteração de quantidade de matéria.

Referências

Bachelard, G. (1978). A Filosofia do Não. São Paulo: Abril Cultural.

Jammer, M. (1974). The Philosophy of Quantum Phyiscs. New York: John Wiley and Sons.

Jammer, M. (2000). Concepts of Mass in Contemporary Physics. New Jersey: Princeton University Press.

Kneubil, F. B. (2018). The meanings of mass and E = mc2: an approach based on conceptual maps. Revista Brasileira de Ensino de Física, 40. Retrieved from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-11172018000400405&nrm=iso

Ostermann, F., & Ricci, T. (2004). Relatividade restrita no ensino médio: os conceitos de massa relativística e de equivalência massa-energia em livros didáticos de física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 21(1), 83–102.


9 comentários em “Aumento da massa de um corpo quando este absorve energia

  1. guilherme appel disse:

    Muito obrigado, meu caro professor ,muito bom sua explicação,fui eu que fiz a pergunta,bom eu acho, a não ser que alguém fez uma pergunta igual.

    • Jefferson Norte disse:

      Olá, Guilherme! Já que vc entendeu, vc poderia me explicar uma questão???
      Ao pesar um corpo numa balança (ou medir aquilo que no cotidiano chamam de peso, mas que na verdade é a massa), o valor retornado pela balança (em kg) é a sua medida de inércia (F/a) ou sua quantidade de matéria ???
      Se a balança registra para esse corpo uma massa de 1kg (um quilograma), posso dizer que a Energia (mc²) que esse corpo pode retornar (por algum processo físico de transformação de energia) seria de aproximadamente 3×10⁸ Joules ???
      Então, toda essa matéria de 1kg se transformaria nessa energia fazendo com que o corpo de massa “sumisse” transformando-se todo em energia???
      Se não é assim que acontece, então o que sobra “visivelmente” desse corpo???

      • Guilherme Augusto Appel disse:

        Respondendo as várias perguntas: O que se mede em uma balança é a quantidade de matéria, também podendo ser denominada como massa; Através de algum processo físico de transformação de massa em energia, 1 kg retornaria 89.875.517.873.681.764 joules; se toda essa matéria se transformasse em energia, esse corpo de 1 kg sumiria. Me corrijam se eu estiver errado, porque eu não sei muita coisa sobre física.

  2. Fabio Pessin Manzoli disse:

    Muito boa explicação professor! Parabéns!
    Quando o senhor diz que a quantidade de matéria não muda, podemos generalizar essa afirmação? Ou seja, a quantidade de matéria de um corpo nunca virará energia? Por exemplo, nos processos nucleares, como foi em Hiroshima, a “massa” que se transformou em radiação na fissão era a energia de ligação do núcleo, e não uma própria parte do núcleo, certo? O que não mataria por completo a lei de conservação de energia, nem de a lei de conservação de massa.

    • Caio Risper disse:

      Eu também queria saber sobre isso… Porque já vi gente falar que a matéria em si não pode virar energia pela lei de conservação de energia e matéria, e sim alguma energia que está presente num corpo (e faz parte da massa), que pode ser convertida em outra energia…

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